Resenha de “Tratado das cousas da China” de Frei Gaspar da Cruz

Que coisas horríveis podem acontecer entre as ilhotas de Liampo

Ou na enseada de Cantão, dita Guangzhou, onde deságua o Zhu Jiang

Que não entristeça aqueles homens ou até mesmo os destruam pela madrugada

Quando as esquadras aparecem no meio da névoa azul?

Em Liampo vendiam as porcelanas de Sanxi e os juncos ancoravam para abastecer.

Em Guangzhou bancões e lanteas iam e viam. Alguns eram como se fossem

Fazendas ou granjas onde criavam adens e gansos. Pela manhã os empregados os traziam

Para fora. Comiam os grilos, outros insetos e também a massa verde de matos suculentos

Junto aos arrozais. Os barquinhos pequenos dos pescadores pobres

Se dirigiam para os pontos próximos aos portões da cidade

Trazendo enguias, cobras, peixes diversos ao mercado.

Rouxinóis cativos cantavam em dezembro como se fosse abril, enquanto as

Lanteas cruzavam a enseada e adentravam o rio e o porto no dezembro frio,

Algumas carregadas com bategarias, muito apreciadas no Malabar e no Camorim

Até os limites de Damão e Diu. Em Guangzhou havia um bairro onde vendiam

Cães vivos, presos em grades, ou assados, aos quartos,

Consumidos principalmente pelas classes baixas. Os mais pobres compravam meio arrátel.

Os portugueses cruzavam até Nagasáki, em Cipango, para encontrar mulheres

E o prazer num momento de descanso. Os machos necessitavam das mulheres da ilha.

As gueixas tinham flor de Mogra nos cabelos negros,

Farinha de arroz no rosto com alguns apliques de pó de açafrão nas faces.

Furtivamente, mostrando suas belezas e atrativos, atraíam os marujos

Quando chegavam nas carracas negras com mercadorias preciosas

E lucrativos presentes e tributos para o Daimiô.

Também em Cantão tinham de levar presentes ao Ponchassi.

Os cinco que sentavam à sua direita usavam sombreiros amarelos com cintos de ouro

E os cinco à esquerda sombreiros azuis ou acatassolados e cintos de prata.

Fernão Perez de Andrade, que pensou estar em Ormuz ou Baçaim,

E que tudo era tão fácil como quando expulsaram o sultão de Málaca,

Quis açoitar os Loutias. Ser açoitado na região poplítea ou na panturrilha

Até morrer no meio da poça vermelha e da hemorragia,

Entre gritos de horror e pranto. A mulher com rosto alvaiade chorava,

De pele macia e tenra, clara como o lindo lótus amarelo.

Morrer vagarosamente, os lábios murmurando uma prece: eu me refugio em Buda.

Os ídolos, como são chamados, não serão destruídos facilmente,

Porque também na China seus deuses vigiam entre raios de luz que espiam das nuvens

E manifestam sua cólera nas torrentes que às vezes descem pelo Huang Ho e Yang-Tsé.

490 Views

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *