Por que um poeta deveria cantar o Brasil e os brasileiros?
Um país onde a maioria escolhe um ser com retardo mental, que defende o assassinato, a tortura e os torturadores, para ser seu dirigente máximo, mostrando-se, portanto, um país em colapso moral.
Um país que parece caminhar apressadamente para uma ditadura teocrática, dominada por fanáticos e idólatras, porque não são adoradores de Deus, mas de um livro. Metade da população é de idólatras que adoram um livro.
Um país onde, desde o seu início há mais de 500 anos, há uma minoria de senhores e uma grande maioria de servos e escravos.
Que obriga os negros e pobres a morarem em tocas nos morros e de vez em quando manda a polícia até eles para abater os seus jovens sem piedade.
Onde os humanistas não se preocupam com a imensidão de crimes de homicídio que acontecem a cada ano, especialmente nos bairros pobres das cidades e no campo, nem se esforçam em aprovar punições severas para quem mata o ser humano, porque isso seria “punitivismo” e vingança de “senso comum”.
Onde a elite, especialmente a paulista, quer falar como estrangeiros por achar que é chique e diferenciada, por isso fecha todas as vogais É e Ó, falando tudo Ê e Ô (êlêfante, môrrendo, ôlhar, côração etc.), eliminando a metafonia (Umlaut) da língua portuguesa, que é um procedimento natural do nosso aparelho fonador em busca de conforto e eufonia, perdendo assim a própria personalidade portuguesa/brasileira e suas raízes, humilhando a fala histórica e genuína das pessoas mais simples, enquanto os linguistas de suas academias repetem que “isso é mudança natural da língua”. Ninguém deseja que os paulistas mudem a sua maneira de falar. Que se respeite a sua opção e costume. Mas querer impor isso ao resto do país, sugerir aos demais brasileiros falantes da versão tradicional da língua que estão falando errado, como se sente claramente nos meios de comunicação, é autoritarismo e opressão linguística.
Onde existe uma coisa chamada “agronegócio” que nada mais é que um clube de truculentos endinheirados que foram, ao longo das décadas, impunemente e até incentivados com financiamentos e benefícios fiscais, invadindo e tomando as terras dos agricultores pobres, públicas ou não, pelos meios imagináveis possíveis, com pressão e violência, jogando irrevogavelmente esses habitantes tradicionais de zonas rurais, para os caldeirões das cidades, especialmente das grandes capitais, criando guetos de violência e desemprego, desespero e fome, nos cinturões dessas aglomerações urbanas.
Agem assim inspirados nos seus antecessores que invadiam cidades indígenas para escravizar e matar seus habitantes nos séculos anteriores e traziam habitantes da África para trata-los como bestas de carga e de pancada e achavam e acham que isso é normal.
Astutos e cruéis homens brancos do Sul que invadiram as terras devolutas e públicas e expulsaram a ferro e fogo os ingênuos e semianalfabetos homens brancos, negros e indígenas do Centro Oeste, Norte e Matopiba que lá já tinham seu lar, destruindo as matas e a vegetação para fazer plantations que lhes rendem dólares e riquezas – implantando o reinado da ostentação, do poder do dinheiro e da tecnologia, exercendo a crueldade e a fraude de diversas maneiras, para expandir as áreas de suas fazendas já latifundiárias, expulsando as pessoas, que antes exerciam a agricultura familiar e alimentavam o país, para as favelas das cidades, destruindo o Cerrado e a Amazônia, fato que sem dúvida contribui para os distúrbios climáticos na terra.
Esse agronegócio destruiu sem piedade os ecossistemas do cerrado e do litoral e avança a passos irrefreáveis para acabar com a Amazônia, invadindo terras públicas e se apropriando de bens públicos.
Esse agronegócio está dizimando muitas espécies botânicas, frutas de vários biomas, como a fantástica frutinha chamada puçá, que só ocorre em algumas regiões do cerrado do Matopiba, em fase de extinção, privando a humanidade de conhecer algumas das maravilhas da natureza.
No campo do Brasil aqueles que produziam o alimento da nação, os pequenos agricultores, só conseguiram permanecer em terras áridas, sem fluxo de água e nas regiões de morro, acidentadas, não propícias para o trabalho com as máquinas sofisticadas e caríssimas que o agronegócio utiliza.
Com o uso intensivo dessas máquinas caríssimas, reduziram-se os empregos no campo. Aos trabalhadores que o agronegócio é obrigado a contratar, por necessidade, frequentemente tentam impor regimes de escravidão, já que seus ricos membros não enfrentam o dificílimo trabalho rural exposto ao sol e ao terrível calor.
Há alguns anos atrás cada cidadezinha tinha uma máquina de beneficiar arroz, o principal alimento do país, com o cereal sendo produzido nas roças locais, em cada município. Como esses brasileiros, pequenos produtores do campo, foram expulsos, atualmente quem embala e vende o arroz que a nação come, ninguém sabe onde, é o agronegócio, a preços cada vez maiores e à mercê de sua vontade. Isso se chama dominação e devastação.
São tão poderosos que enfrentam e intimidam o governo para que não importe alimentos que façam os preços internos caírem. Acham-se os donos do país e agem como imperadores. Gabam-se de ser o sustentáculo da economia nacional. Na verdade são os destruidores da natureza brasileira, da distribuição de renda e da segurança alimentar do país.
Esse agronegócio também acabou com a ingenuidade da música do campo, que além de ingênua era lírica, piedosa e agora é pura ostentação e arrogância. Destruição da música e da poesia do sertão, que de ingênua e delicada, passou a ser um instrumento da violência, da ostentação e do poder.
Para conseguir impor esse sistema derrubaram governos democráticos que planejavam fazer uma reforma agrária justa, contemplando toda a sociedade e não uma minoria, instituíram ditaduras militares e civis, sempre auxiliados por forças externas, e com a balela de que reforma agrária e outras ações democráticas são coisas de comunistas.
Enfim, um Brasil onde ainda vigora o velho hábito dos homens de todos os tempos e todos os lugares, quando não são reprimidos e contidos pela lei: conquistar pela força, massacrar os mais frágeis e indefesos.
Um país que apoia e mantém tal sistema é movido pela injustiça e não terá futuro.
O que tem a poesia a ver com isso? Tudo. Não pode haver poesia onde há escravidão, violência e assassinatos. Não há poesia onde uns poucos homens ricos e violentos se apossam da natureza, da terra, das margens dos rios, das praias, dos meios de produção no campo e excluem a maioria da população do usufruto das belezas naturais e da possibilidade do acesso à terra e de exercer seu ancestral e costumeiro trabalho agrícola, colocados em guetos urbanos na miséria e na violência.
Entretanto, mesmo assim, vamos cantar:
O Brasil, que apesar de ter tantos motivos para se afundar na tristeza, continua a sambar, rebolar e a festejar o carnaval.
O Brasil, que resiste à violência de sua elite.
O povo brasileiro mais singelo que “acha que deve alegrar o ambiente”, e por isso são barulhentos e passam vexames sem perceber, mundo afora. Temos de perdoar os brasileiros, eles ainda insistem em acreditar que tudo pode ser felicidade!
O Brasil, onde surgiram e surgem pessoas excepcionais, lutadoras, iluminadas, faróis, como Ana de Souza Pinto (Aninha da CPT); Zé Porfírio de Trombas, Margarida Alves da Paraíba e outros líderes dos trabalhadores do campo assassinados; grandes políticos como Luiz Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola; grandes utópicos e sonhadores que passaram a vida sendo odiados e perseguidos, como Carlos Lamarca, Luiz Carlos Prestes, João Amazonas, Gregório Bezerra; grandes intelectuais como Caio Prado Jr; vozes incansáveis que clamam por Justiça no presente como Breno Altman. Tantos. Essas são citações aleatórias, uma pequena amostra apenas. Este país já teve e tem grandes e admiráveis homens e mulheres.
É por esse Brasil e essas pessoas que nós vamos cantar.
É a esse povo brasileiro simples, alegre, embora sofredor, tão fácil de enganar, que esse livro quer prestar uma homenagem.
Brasília, Junho de 2024.