Alguém se lembra que um grumete de Refóios, Antonio, morreu no mar de Sunda?
Também Rui Dias, marujo de Alenquer
Que Afonso de Albuquerque executou num dia triste em Goa
Por causa de uma moça canarim, um namorico besta, uma noite de amor na alcácema.
Sim, este é mais lembrado porque dele, consumido, o grande bardo clamou:
Selváticas brutezas, de peitos inumanos e insolentes, dar extremo suplício pela culpa
Que a fraca humanidade e amor desculpa.
Muitas âncoras perdidas ficaram no oceano, ao estalar o cabo,
Rompido sem aguentar a tensão. As vagas frias, indiferentes às paixões quentes,
Balançavam no mar as naus. Havia lágrimas secretas, desejos de voltar.
Choros calados, soydade. No entanto, as naus persistiam na jornada louca.
O apetite deseja prosseguir, avançar sempre. Também a juventude e o sonho.
Raramente voltar. Nunca retroceder.
Regressar desejam os que já aportaram em muitas praias belicosas
E muitas vezes enfrentaram os temores do mar.
Viram da gávea a tormenta que rápida e hostil costuma surgir,
E a adaga curva, impiedosa, aproximando-se, cruelmente, lentamente, da garganta.
A areia tórrida no deserto e o vento quente escaldante.
Quem sabe o que custa cavar uma esmeralda e buscar uma carga de benjoim.
Em grande pirigo rompeu-se o mastro. Rremendamos com brandaees
Ate que fosemos tomar porto abrigado omde o corregêssemos.
Entretanto continuavam a rumar ao Malabar,
Onde havia aljôfares e ágar, rubis e cinamomo.
Para os sages santos levarem a angústia e os tormentos ao fundo do mar
E deixarem na gávea e no convés apenas fortuna e esperança
As naus partiram de Belém após noite de orações e uma missa solene em Santa Maria.
O ouro estava no Forte da Mina, na Guiné, e em Sofala
Rente ao terrível Canal de Moçambique, de ondas furiosas e baixios,
Terror para os navegantes.
Partimos de Restello hum sábado que eram oyto dias do mês de julho da era de 1497.
Bartolomeu Dias cruzou o extremo sul da África sob grande tormenta.
Deixou padrões com inscrições em português, latim e árabe onde passava.
Voltou chorando a Lisboa, ao Porto do Restelo. Isso foi nos anos 1487 e 1488.
Aqy chegaram os navios do escrarecydo rey dom Joam ho segundo de Portugal.
Não alcançou as Índias.
Coube ao fidalgo Vasco da Gama, alguns anos depois, chegar a Calicute.
Então o Samorim escreveu a El-Rey Felicissimo Dom Emanuel.
O Samorim disse: Vasquo da Gama fidalguo de vossa casa veo a mjnha terra,
Com o qual eu folguey. Em mjnha terra há mujta quanella e mujto cravo e gengibre
E pimenta e mujtas pedras preciosas, e o que quero da tua
He ouro e prata e corall e escrallata.
Porque os guerreiros não venciam se contavam como parceira essa tíbia vontade.
Se o tempo contrairo não conssentia que filhassem o porto.
Nom se leixem vencer per a sanha.
Devyam continuar ataa mais nom poderem
Husem sempre de manssidõoe, boa sperança e atrevymento,
Nom se vencendo por sanha, desesperaçom nem medo.
Conselho não seguido no calor da Índia e na sanha por ouro e caudais valiosas.
Beati quorum via integra est. Não se pode afirmar que aqueles caminhos
Eram íntegros e semeadores de paz e bem-aventurança.
Entregaram-se à cobiça no deserto.
Os que descem ao mar nas naus
Verão as obras nas profundezas dos abismos.
Trouxeram lioz e ergueram o edifício suntuoso e a torre.
Santa Maria de Belém, onde rezavam pedindo proteção para a viagem.
Que seria longa, além da multidão de socós e garças azuis do estuário do Sado
Até não ver mais a Arrábida, azulada na distância,
Com seus soutos de carrascos e adernos
E ricos aromas de alecrins e rosmaninhos.
Todo o rendilhado de calcário, e os feixes de algas, correntes de âncora,
Amarras de navios desenhados nas frontarias.
Tanta beleza parecia dizer: Aqui está Lisboa, de onde partirás e não mais voltarás,
Ou voltarás cansado, sem vontade de viver,
Tua alma estarrecida pelas coisas que teve de obrar ou assistir.
Ninguém sabe como os simples fogem da dor e do sofrimento,
Se até El-Rei Dom Duarte, jovem, rico e poderoso
Sofreu da doença do humor menencorico, tristeza, nojo,
Pesar, avorrecimento e da soydade.
Ele não teve culpa na pelleja de Tânger. Ele não trouxe a pestellença a Lixboa.
Também nõ seguyo os consselhos dalgũus físicos que diziam
Que bevesse vynho pouco auguado, dormisse com molher, e leixasse grandes cuidados.
Se algo falta aos reis e espanta os nobres, o que não pode afligir o simples?
A paz é um aljôfar frágil, de luz irisada, despedaçado pela morte em Angediva.
Surge uma nau, nas oras de vespora. O mar torna-se escarlate.
Mais uma vez voltamos à posição zero e fazemos a volta ao mar.
Fernão Lopes disse que o historiador deve leixar a-de-parte toda afeiçom.
Deve, portanto, falar do sangue derramado injustamente
E não só da glória dos fidalgos.
Glória que veste gala e se cobre de alfaias e atavios
Deixando a nu uma cauda de floretes e punhais
Ainda rubros pela pena que causaram. Entre gritos loucos e sufocamentos.
Torna-se inútil a fremosura e novidade de palavras, os túmulos jazentes
Em São Vicente de Fora ou na Batalha. Não são os túmulos do amor e da compaixão.
Deles não exalam as fumaças sagradas e os odores dos lírios da paz e da piedade.
Balcões carregados de bremas em Sesimbra.
Antes tudo tivesse sido sempre assim e continuasse como um mar em calmaria.
Traineiras com sardinhas de Portimão enfrentam um mar
Tão idoso e ainda tão feroz.
Necessitam ajuda e sortilégio do vinho verde do Minho
Ou um gole de zimbro ou medronheira.
Quantas sombras se agasalharam sob a penumbra dos dolmens
E ali aguardaram pela brisa fresca e pelo repouso dos débeis,
Aquello faz a tribullaçom ao justo, que faz a fornalha ao ouro,
E o mangoal ao grãao, a lyma ao ferro. Fuja, quando negra desce a noite
Sobre os olmos, e os olhos malignos perscrutam entre as trevas.
Viriato assim partiu em 139 A.C da Beira aquando tentava manejar inutilmente as falcatas
Com punho em ferro, como a lâmina. A forma da cabeça de um cavalo garrano
Ou um sorraia, cujos olhos eram citrinos cravados
E já nom podia al fazer.
O ano de 1147 foi um ano sagrado, assim como o ano de 1385.
Para o guerreiro fatigado o sol sempre louvado é um suplício tenaz.
Que em Ourique Santiago atenua com o nimbo de luz. Espanta os Almorávidas para além,
No sul. Até um dia, quando tocará o solo de Ceuta, em África.
Não é doce morrer no mar.
Oh! Maldito o primeiro que no mundo, nas ondas vela pôs em seco lenho!
Os apaixonados, os degredados, os famintos e os loucos,
Apenas esses voltam ao mar em frol após experimentar a tormenta impetuosa.
Antonio de Mizquita, seu irmão, morreu de fraqueza e míngoa
Já na baía de Lourenço Marques.
Um escravo trazia nas costas o filho bastardo do capitão Manuel de Sousa Sepúlveda,
Vindo de Cochim e Coulão, naufragado em grande desespero nas costas do Natal,
Terra de tigres e leões e muitas feras alimárias. Também cafres sorrateiros e inimigos.
Não soube atinar com o certo ou errado naquele momento de aflição.
Endoideceu. Enterrou a mulher e os filhos falecidos e entrou na selva ao encontro dos leões.
Era bom cristão, cumpria os mandamentos. Trazia o temor de Deus no coração
E na Índia gastou mais de cinquenta mil cruzados alimentando os lazeirentos.
Virou o vento ao nordeste e ao lés-nordeste muito furioso
Estavam já sem mastro nem verga e as velas com inúmeros remendos.
O mastro tinha voado, como se fosse uma pena, com a gávea e as enxárcias.
Como leme dispunham apenas das escotas.
Uma violenta pancada destruiu a carlinga.
Junto com ela se foi toda esperança.
Tudo desceu ao mar, riquezas acumuladas ou pilhadas
E as frágeis vidas, ébrias de sonhos e desejos.
As cousas de admiração e espanto, mesmo verdadeiras, se hajam antes
De passar caladas que contar para que não haja escândalo.
Os cafres lhes venderam milho zaburro e peixes, a troco de pregos e um astrolábio,
E forniram e forneceram os alforges de quanto puderam levar.
Após o naufrágio do galeão São Bento, também nas costas do Natal, abaixo de Sofala,
A praia estava cheia de odoríferas drogas
E infinita diversidade de fazendas e cousas preciosas.
Muitos de seus donos jaziam perto delas.
Da terra patrícia, quiescente e distante, fugindo da pobreza
Saíram ao mundo e encontraram a morte abraçados nas riquezas.
Vejam a nau Conceição, levava mil toneladas
E dois mil almudes de água doce, jóia de El-Rey.
Se acabou nos baixios da Ilha de Pêro dos Banhos.
Os fidalgos sorrateira e ameaçadoramente se apossaram das riquezas e armas
E ergueram um navio para eles somente e se foram sorrateiramente.
Os que ficaram, homens tristes e pobres do Minho, das Beiras e Estremadura
Dividiram então todo o escasso recurso que dispunham.
Comiam alcatrazes. Furavam cacimbas.
Num pequeno batel pescavam, com sorte,
Alguns peixes vermelhos, gorazes e cações.
Escotas rompidas, cavilhas torcidas,
Entremichas arrebentadas. Era o fim.
Muitas fazendas foram jogadas ao mar, para aliviar a nau
E privinir o tormento que se mostrava.
Muitos quintais de benjoim e fardos de anil,
Caixas de seda, muitas cousas da China, porcelanas e outras muito ricas
Ordenou Dom Francisco Barreto que se perdessem.
Agoniado morreu João Rodrigues de Carvalho em Moçambique
Após perder a sua nau Garça e ser considerado azarado pelos pares
Nas grandes viagens sobre as ondas, pelo mar.
Tudo o que aprendeu na Carreira da Índia e em mares sem fim
Agora era inútil. O muito que sabia sobre a terra da Abássia.
Aprendera que a fruita da canela
Se parece com pequenas landes e seus cascabulhos.
Se madura, é da cor da azeitona preta. Dela se faz óleo assaz quente,
Muito bom para curar frialdades.
Aprendera que os elefantes do Ceilão são menores
Que os de África, Pegu, Arracão e Málaca.
Os reis os preferem para a guerra, com dentes não amputados.
São utilizados também para carga, no lugar de azêmolas.
Conhecia quase tudo sobre o Ceilão. Da beleza de suas mulheres
Aos lagostins de grande fermosura.
Do mar retiravam pérolas esplêndidas como as de Ormuz,
Aljôfar, coral preto e alambre.
Nos rios se achavam topázios, safiras e rubis diáfanos e luminosos.
Também o olho-de-gato, que protegia os soldados na batalha brutal.
Das serras vinha o cristal, ouro, ferro e a binga.
Com a binga pintavam os sepulcros em grande alvura.
Saíam as barcas forjadas na Ribeira das Naus e em Coina
Levavam cinamomo a Flandres e às vezes traziam belos panos de Arrás
Em lã ou seda com filigranas excelsas em ouro,
Muito apreciados pelo Hidalcão e pelo Xabandar de Samatra.
Um marinheiro teve um sonho na alcáçova.
Sonhou com extensíssima sebe de silvas onde corvos saltitavam
E subitamente uma galveta com asas atravessa a enorme sebe destruindo-a
E tainhas e choupas pressurosas devoram as bagas todas.
Ele, com o peito oprimido em grande angústia
Gritava salva, salva, ó Corpo Santo, ó São Pêro Gonçalves piedoso,
Permita que cheguemos a São Paulo de Luanda.
Assim descreve o narrador o naufrágio da nau Santa Maria da Barca:
A nau movia-se ao vento lés-sudeste furioso quando rompeu a vela no estai
Depois, com grande estalo, tombou a estibordo.
Haviam de ir arribando. Cuidaram todo o dia até a tarde com o traquete.
Dando todas as bombas, não havia como esgotar.
Correram com as velas grandes no bordo de nordeste.
Determinaram fazer betume de farinha de arroz e massa de biscoito.
Tanta força e eficácia têm a paixão e a tristeza.
Com a grande fúria d’água, aproveitavam os remédios muito pouco.
Então desesperaram. Clamaram por São Pêro Gonçalves.
Como em Enxobregas naqueles dias passados já distantes.
Sobre a água pairava cheiro de canela e cardamomo
E luzes misteriosas apareciam no convés e nas almácemas, stella castoris.
Da mezena, na popa, olhava com anseios se continuava no cais a acenar.
Olhos humanos procuram outros a quem amar, não caminham sozinhos.
Tudo começa com um olhar, a glória e a perdição.
Diogo do Couto, Guarda Mor da Torre do Tombo, uma vez falou mal da cafraria.
Os Mocrangas da baía D’Alagoa são grandes ladrões, disse.
Perseguem os marujos cruelmente com fimbos, uns tipos de armas de arremesso.
Macaco não olha pro rabo, responderam os Mocrangas, indignados.
Se é que os ladrões podem se sentir ultrajados sinceramente.
Diogo não respondeu. Em outra ocasião, porém, ele escreveu:
Foram lançadas ao mar, na hora da aflição, muitas louçainhas e riquezas, adquiridas
Pelos meios que Deus sabe e testemunha.
Em Alexandria e São João de Acre os venezianos se encontravam com as riquezas
Orientais. O farol na Ilha de Pharos alumiava perenemente
O esplendor que circulava o mar.
Arrastavam cargas pelo Mediterrâneo, Jônico e Adriático.
Chipre, Creta e Corfu eram seus armazéns.
Mas um dia chegou o sultão em Constantinopla
E Portugal cruzou o Cabo das Tormentas
Enfrentando as ondas do sul no grande oceano.
Dom Francisco de Almeida o vizo-rey disse a El-Rey Dom Manoel: não lutemos por terra.
Então lutou no mar e expulsou essa gente estranha, moura, etíope, turcomena.
Conquistou os caminhos do mar e as mercadorias.
Venceu o Samorim. Trabalhou com os Naires e Rajás contra os turcos e venezianos.
Veneza em fúria enviou contra os portugueses o Sultão do Egito,
Bem armado e equipado. O confronto aconteceu em Diu em 1509.
Depois foi Goa, Ormuz e Malaca, com Afonso de Albuquerque,
Que já trocava alambéis de Orã por ouro em Elmina.
Certamente se Ibn Majid não levasse Vasco de Melinde a Calicute
Teria sido tudo mais difícil. Era versado.
Até escreveu um tratado sobre as rotas náuticas
Bastante admirado e copiado.
Muito tempo antes a aventura começara
Quando os fenícios construíram navios de cedro e pinho do Monte Líbano,
Em Sidon, Jaffa, em Tiro.
Alexandre empurrou os fenícios para sua fortaleza em Cartago e os gregos ganharam
os mares, que já tinham ganhado uma vez em Salamina.
Cartago construía seus navios com as madeiras de África
E o esparto de Espanha para as cordoalhas.
Era intrépida e agressiva. Perdeu para Roma o domínio do mar.
Cipião cumpriu o delenda Cartago. Incendiou a impávida, inquieta e cruel,
Mercantilista, dominadora.
Só restaram pedras e cinzas ardentes entre ervas mirradas.
Dos Apeninos retiravam madeiras para as Naus.
Das florestas de Sila resinas e betumes.
E quem disse que não éramos também corsários do mar?
Quem disse que também nós não iríamos ao mar com um barinel?
E depois, com caravelas e enormes carracas, com longarinas tesas,
Fomos até Cipango e Hainan.
Nossos galeões, com colubrinas e canhões arremessavam pelouros.
Os inimigos fugiam como de Fuas Roupinho fugiam os sarracenos.
Abrimos caminho para a glória.
Enchemos de riquezas nossas naus, madeiras finas,
Condimentos, cotonias, ouro e prata.
Nossas camisas de algodão Cassa foram perfumadas de bdélio e calamba
Coisas jamais vistas nas terras do Felicíssimo El-Rey Dom Emanuel.
Até os humildes tecidos como lambéis e canequins eram almiscarados.
Aquando faziam longas viagens usando a balestilha e os portulanos
Traziam tecidos frescos de algodão especial de Cambaia e Coromandel
Sem nem falar dos de Bengala, especialíssimos, finos e etéreos
Tão fofos e macios como filó ou tule.
Os cafres de África ou a gente de Pegu, Sião ou Banda
Vinham ligeira a escambar o macis, a noz, o ouro e o linaloés.
No céu já não viam os vestígios da Ursa Menor, mas viam a Crux
O sinal deslumbrante de que já estavam no Sul, nas terras quentes
Entre ondas e perigos, longe do Mare Clausum e do sossegado Mare Nostrum.
Alguns diziam que vinham para conquistar almas, destruir ídolos
E desterrar da Índia a idolatria.
O jesuíta dizia vamos destruir o pagode dos ídolos em Pondá
Muitos deles sumptuosos e de obras finas e bem acabadas.
Também aquando tomaram ouro em Quíloa para fazer ostensórios em Belém.
Então o Chatur Jan Huyghen operou para holandeses e ingleses.
O Xá da Pérsia aliou-se aos anglos e tomou Ormuz em 1622. Os holandeses levaram
Málaca em 1641, depois sucessivamente invadiram Ceilão, Coulão e Cangranor. Em seguida
Cochim, a primeira jóia portuguesa na Índia, e Cananor.
Os anglos levaram Bombaim em 1665.
Os Maratas, Baçaim e as terras do norte, alguns anos mais tarde.
Os anos dourados foram se apagando, lentamente, o esplendor dos Quinhentos,
Apenas Goa restou, a Goa Dourada, Damão, Diu. A glória passada.
As mãos sutis dos Gudigars, amadas pelos deuses, expeditas para ornar coisas celestiais,
Como ninguém mais pintavam Radha ou Saraswati coroadas de lótus,
Não podiam obrar em Goa.
Mesmo se Akbar, o Mughal, usasse um relicário
Com a imagem em jaspe do Cordeiro.
Às vezes colocavam a imagem de algum santo a cavalgar uma Makara,
Em teca policromada.
Perfuravam com o flot, raspavam
E lixavam com o pó remanescente do trabalho de eboraria.
O remate era um esplendor.
Colocavam o ídolo numa charola de cobre dourado no azougue.
A procissão circulava então pelas planícies de Goa, em Salcete.
Cintilavam as perlas, o aljoffar, Os rubjs.
Pediam aos deuses com olhares respeitosos, deferentes.
Os deuses desejavam que os homens cobiçassem menos
As pérolas de Ormuz ou os diamantes de Bisnaguer.
Queriam que os homens deixassem em paz as esmeraldas brunidas do Brasil
E as turquesas da Pérsia.
Francisco Rodrigues Lobo disse que na terra
Mais valem diabos de ouro que anjos de marfim.
Entretanto os cavaleiros sonhadores ainda procuram
A donzela amada na sombra enluarada. Uns gostavam de História.
Outros a achavam fingida. Um gostava de Palmeirim de Inglaterra e Amadis de Gaula
E de todos os romances da cavalaria, porque não lereis livros em o qual
Se não destruam soberbos, favoreçam humildes, amparem fracos,
Sirvam donzelas, se cumpram palavras e guardem juramentos.
Mas na História, ah que triste História, onde há rios de sangue
Martim Afonso de Sousa, a mando de El-rey Dom João III, formou armada
Para saquear o templo dotado de grandes riquezas do Senhor Narayana em Tirupati,
Que cavalgava o hábil pássaro Garuda.
Ali chegou o Senhor Narayana à procura de sua esposa Lakshmi
Que estava de mal, zangada, coisas de mulher.
Escondeu-se lá, na montanha dos Gates Orientais, dentro de um formigueiro
E então começou a cantar hinos melodiosos.
De lá para cá acumularam-se muitos tesouros no templo.
Um Chator murmurou ao rei de Bisnaga, e este reuniu elefantes e Naires
E enfrentou o português. Que não ousou ir adiante contra o Senhor Narayana
E saqueou outro templo em Coulão.
Porque vi tormentas, vi batalhas no mar & peleias na terra falo como esprementado
Castanheda observa que Alexandre e Ciro foram por terra, os portugueses por mar
Afastados trezentas & seiscentas leguas partindo do fim do Occidente & navegando
Ate ho do Oriente sem verem mais que agoa e ceo, rodeando toda a Sphera,
Cousa nunca cometida dos mortais, nem imaginada pera se fazer.
Marcavam dez graus em Lisboa e em Calicute eram quarenta,
Na Arrábida, os tojais amarelos, e no Alentejo, os abrunheiros se excediam em frores
Lá as mangueiras e as jaqueiras de enormes frutos apareciam frondosas e oneradas.
Duarte Barbosa diz que Mombaça, tão rica em verduras, carneiros e laranjas doces
Foi destruída porque seu rei mouro resistiu a submeter-se a El-Rey.
Com mensos trabalhos de fome, de sede, de doenças & perigos de morte,
Com a furia & impeto dos vetos, & passados estes se vem na India
Em outras despantosas e crueis batalhas com a gente mais feroz.
Mataram e escravizaram. Roubaram e queimaram.
Tomou-se muito ouro e prata, e cobre e outras mercadorias ricas.
Já Brava era governada por veneráveis anciãos,
Não tinha rei nem exército, tinha casas boas de pedra e cal.
Foi destruída pelos nossos.
Antonio de Saldanha destruiu Barborá, em 1518, onde iam naus de Adem e Cambaia
Buscar ouro, anfião e marfim, e traziam açúcar, ruibarbo, benjoim, laca, almíscar.
Zeila era rica em cavalos e gado, manteiga, leite e carnes,
Que levavam a caminho de Adem,
Foi destruída por Lopo Soares em 1517.
Esses homens se parecem com alarves do deserto, mas entram em mares audazes
Vêm em zambucos a Sofala em busca do generoso ouro que trazem os cafres de Tete.
Os mouros falam aravia. Trazem panos de algodão tingidos de grã feitos em Cambaia
E continhas coloridas. Outros trazem panos de lã e chamalotes.
Xaer produz muito incenso, que carregam as naus, a cem réis o quintal.
Comerciavam também móveis de quebracho, sissó, ébano e teca,
Com arremates de prata, marfim ou laca.
Os Baneanes são homens mui ricos, luzidos e galantes e tudo comerciam.
Machadinhas muito bem lavradas e de mui fremosa tauxia.
Laudeis, sapatos de cordovão, Jágara, Beirames de fina tessitura, águas-rosadas.
Alguns comerciam o ópio de Malwa para a China.
Transportados em Dolins, suas casas têm janelas formadas de conchas que ventilam.
Disse a Sibila que morava em Cumas, muito idosa,
A olhar a Purnaghata sobre uma peanha:
Cum videas oriens occidentis opes
Ganges, Indus, Tagus erit mirabile visu
Quando vires, Ocidente, as fortunas do Oriente,
metidos sobre um pau podre, tão perto da morte
O Ganges, o Indus e o Tejo serão prodígio de se ver.
Quando ouvires o Sadu que diz:
Naire, goardaras os bramenes & as vacas.
Em muytas partes Dafrica & Dasia.
Em Dabul tomaram o lugar por força,
onde morreram muitos mouros e gentios, fizeram grande estrago,
Destruindo e queimando tudo, também as naus que no rio estavam surtas.
Por isso nos odeiam e quando podem nos fazem muito mal.
Numa das mãos uma adarga na outra uma espada
Os Naires expulsaram o apóstolo Tomé por ordem de El-Rey de Coulão
E ele se foi a Meliapur, no Charamandel, onde o mataram.
Assumiu a forma de um pavão glorioso, que exibia seu esplendor furta-cor.
Lá foi enterrado. Ante muitas lágrimas dos gentios
que naquelas cidades tinha conquistado. Vestidos de almáfega em lamentoso luto.
Essas terras ficam distante, trespassando o Comorin.
Castanheda explicou a El-Rey Dom João III a importância da História
A querer proteção sobre contar a verdade e apenas a verdade.
História, cousa tão proveitosa pera a vida humana
Que insina o que façamos & do que avemos de fugir.
Os fidalgos, porém, não gostavam da verdade nem de arte realista
Queriam a mentira e a ilusão, a própria realidade de suas vidas.
Os navios são cosidos com cairo & breados com encenço bravo.
A casa estava arrodeada de dez mil Naires, todos com suas armas
Com que fazia grande arroido.
Até os próprios vassalos de El Rey de Cochim,
O Caymal de Chirabipil por exemplo, estavam ao lado del Rey de Calicute.
Na hora mais temerosa dessa guerra tinham cinquenta catures & vinte tones de coxia.
Duarte Pacheco não os temeu, enfrentou o Samorim e defendeu Cochim.
Que cítara jamais cantou vitória.
Tinha nas armas coroas vermelhas de florões áureos. Disse no Esmeraldo:
Quando Lopo Soarez, capitão-mór, desceu em Cananor, para se avistar com El-rey
E fazer aliança contra El-Rey de Calicute,
O agressivo guerreiro aliado dos mouros,
Seus bateis foram ataviados de festa, embandeirados, alcatifados & toldados & ele assentado
Em hũa cadeira despaldas de veludo carmesim com correntes dalcatruz esmaltado.
Tocarão as trombetas e atabales e forão tangendo um órgão até a terra õde havia
Grande multidão de mouros & gentios. El-Rey de Cananor apareceu
Com quatro alifantes & dois mil Naires. Escravos tangiam Anafis.
E sobre ele, em um Palki, orvalhavam água-rosada e poeira de sândalo.
Tudo estava escrito na Bitácora, para o futuro saber os fatos do passado,
E registrar a agonia que muitas vezes sobre os homens se derrama
Na vida sempre rica de pelejas.
Nas citânias estão rastros de Portugal.
Rastros que se perdem num passado extremo, bem antes dos rabelos
Circularem pelo Douro ou das pedras de Penafiel se erguerem graciosas.
Antes dos moliceiros andarem pela ria. Muito antes das caravelas se lançarem
Ao mar buscando Calicute, passando por Angola, Brasil e Moçambique.
Rastros que se misturam com os sobreiros,
Freixos e amieiros mortos nos pauis.
Também aqueles rapazes gaios, que juravam enriquecer na terra distante,
Sonhadores e muitas vezes cruéis matadores seguindo ordens de El-Rey e de seus capitães
Com olhos cegos de ambição que já não verão em cada março as olaias em flor,
Nem as urzes na charneca. Não passearão mais por azinhagas e soutos de sua terra
Não verão os enxames de abelhas sobre os lentiscos que crescem nos campos da pátria,
Sua pátria milenar como os zambujeiros ensolarados atrás das sebes de murta,
Nem colocarão, com a mãe, em dezembro, as louçainhas sobre os ramos do azevinho
Ou do pinheiro, pois agora jazem no profundo do mar, soturnos, mudos, esquecidos,
Também eles são, eternamente magoados, vestígios perenes de Portugal.