Resenha de Galiza

Sai, Abrahão, da casa de teu pai, de tua parentela,

De tua terra em Ur dos caldeus. Leva também Ló contigo.

Porque aquela terra era seca e não chovia, partiu Abrahão.

Junto com seu pai Terá, primeiro demorou-se em Harã

Onde o gado pastou e o trigo cresceu. E em Harã Terá morreu.

Porque aquela terra tornou-se tórrida e não mais choveu, partiu Abrahão.

Chegando a Canaã rompeu até Siquém, até o carvalho de Moré,

Pois era um vale de muitos carvalhos e de muitos ventos e areia também.

Seus limites iam de Sidom até Gerar e Gaza,

Do outro lado alcançava Admá e Zeboim até Lasa, passando por Sodoma e Gomorra.

Naquela terra também a chuva cessou e veio a fome e a morte.

Temendo que sua família e suas reses virassem uma montanha de ossos, partiu Abrahão.

 

Mas não padece desse mal a úmida Galiza.

Foi a Páscoa enxoita, choveu em San Xoán;

A Galicia a fame logo chegará.

Se a páscoa estia e chove em São João,

Por que haverá fome e os galegos migrarão,

Ó grande vate galega?

 

Conhecem a miserrima plebs? Éramos nós, os galegos,

Que pagávamos o foral e o laudêmio, nós os humiliores

Quando colhíamos o linho fino do solo bege de Cé e Muxía,

E o entregávamos aos abades, arcebispos e fidalgos.

E robaban los caminhos e mataban.

Mataram com uma ballestra seu filho querido no ano de 1465.

Até houve revoltas, lutas, apareceram os irmandiños.

O arcebispo de Santiago excomungou. Que excomunhão? É branca ou preta?

Diziam em Santiago. Não come o excomungado pão branco como os outros?

 

Décimo Júnio Bruto, vindo de Móron, em busca do ouro do Sil

Veio realmente bruto e violento sobre a amada Galiza.

Ninguém soube àquela altura como parar esse romano

Uns pediram a união dos castra e centúrias

Outros queriam colocar as meigas de Galiza para enfrentar o inimigo,

Porque assim ficariam ocupadas com coisas úteis à pátria

Em vez de perseguir e arruinar os patrícios da própria freguesia.

Uns mostravam às meigas escaravelhos de azabache,

Para que corressem a lançar meigallos sobre os invasores.

 

Os bravos galegos ajudaram os Viriatos,

Combateram os piratas de Normandia e os almorávidas.

Ith uma vez saiu do lar de Breogán em Betanzos e foi até Irlanda.

Foi o primeiro da diáspora galega, para o norte, pelo mar.

 

Migrar e partir, com lágrimas e tristezas, com saudades, mas voltar

Não esquecer, nunca esquecer, o torrão amado onde a vida começou

Onde teve amigos, onde amou, viu pela primeira vez as primaveras

E arrebóis, o murmúrio suave da chuva nas telhas enquanto come zonchos,

Nas pedras de Betanzos, no monte Pindo e em todo o lar galego,

 

Que din os rumorosos, na costa verdecente?

Dizem que em tão formosa terra, de veigas frolidas e honras eternas

Uma terra de brétemas, fértil, verde de robles, pinus, com discreto cheiro de camélias

E bosques sempre visitados pela chuva e pelos ventos do oeste, recortada de rias

Atravessada por regatos que descem das montanhas

Não deve existir diáspora, nem despedidas, nem lágrimas de adeus.

 

Estrabão diz: A região setentrional da Ibéria é terra extremamente fria e vizinha do Oceano,

Permanece isolada, com más condições de habitação ao gênero humano.

Estrabão nunca comeu lacón con grelos nem tampouco filloas de Galiza,

Nem jamais uma sopa marinheira com amêijoas numa noite fria.

Nunca provou xoubiñas guisadas logo pela manhã e ostras fresquíssimas

Com uns goles de albariño.

Saberia que Galiza é mãe terna e acolhedora

Que estende delicadamente sobre os seus filhos

Uma manta de lã aquecida na gelada noite

E lhes nutre com o que tira do seu mar, planícies e montanhas.

 

Artemidoro diz que o sol na borda oeste do fim da terra

Se põe em grande tamanho e intensamente rúbido

E que despenca ruidosamente no fundo do oceano

Trazendo a noite imediata. Posidônio, porém, que esteve em Gades uma vez, negou.

Disse que não é assim, que o solpor de Galiza é igual a todos os demais.

Mas Possidônio foi somente até Cádiz, tão longe de Galiza,

Nunca chegou ao Finisterra ou Santo André de Teixido na hora do poente,

Nunca viu a bola de fogo que se joga ao mar

Ao murmúrio dos pinhais verdecentes de Pondal, tão rumorosos,

Quando o sol se despede, entristecido, da Galiza gentil.

 

Estrabão não conheceu a anciã que agonizava em Monforte de Lemos,

A quem o cura disse: você agora vai ao céu maravilhoso, jardim de todas as delícias,

E ela respondeu: Como queira, Senhor, mas nada será tão bom quanto ficar em casa.

Em Galiza, naturalmente. A velhinha sabia,

Por toda uma vida ali vivida, o que Galiza representa.

Mais velho que ela mesma, que o Carballo de Taboada ou o Cruceiro de Melide,

É o amor por Galiza, que os galegos, migrantes ou não, levam enxebre no coração.

 

Se Remismundo cedeu ao arianismo para agradar aos visigodos

Teodomiro refez o caminho de volta e regressou a Bizâncio

Com a ajuda de Martin de Dumio, o bispo de Braga

levado por ordenação divina ao regaço de Galicia.

A partir do Casar na colina, rodeado de terras férteis

Os filhos de Crunnia se espalharam.

Uma dizia :Eu, Teresa, Deo vota.

Outro respondia: Moi doce esposa miña.

 

Alfonso VI, de Leon e Castela, manda suas filhas e genros a Galiza

Dona Urraca e Dona Teresa, e os esposos, que vieram de Borgonha,

Eram chamados Condes de Galícia. Todos eram brigões.

Quando um morria, as brigas aumentavam.

Uma ganância eterna por poder. Desejos de mandar, de possuir.

Totius Hispaniae Imperator. Afonso Henriques, filho de Teresa,

Toma de sua mãe o Condado Portucalense verde de carvalhos, perfumado de murta.

Alfonso Raimúndez, filho de Urraca, será rei de León e Castela,

Após vencer a mãe em batalhas ferozes.

 

Foi aí que Galiza e Portucale se despediram e se apartaram,

Empurrados cada um para um lado pelas guerras e pelas rixas,

Mas continuaram irmãos ou amantes, unidos pelo mar e pelos montes

Com os mesmos carvalhos, os mesmos castanheiros e olmos,

E a nossa voz é a mesma, quando dizemos amigos,

E o som que falamos é o mesmo, quando dizemos amor.

 

Prisciliano foi morto em Trier. Sua última oração foi por Galiza.

Também Alexandre Védova rezou por Galiza em sua hora final.

E toda Galiza rezou por eles, e chorou.

Naqueles momentos pesarosos

Os anjos que habitam Galiza sobre os Ancares,

Entre a neblina fina e a densa brétema,

Também deixavam ver suas faces desoladas pela aflição,

A alma de Galiza ferida, desdobrada e exposta sem nenhum resguardo.

 

Um poeta galego escreveu: Um día voltaréi, nativa terra,

A descansar en ti dos meus camiños, mais non te alcontraréi.

Ele tinha razão.

Afastado, de longe, já não se atesta

Se Pontevedra continua a produzir as melhores sardinhas

Ou se fez o sol indispensável para um roseiral plantado em Tui na primavera.

Não se vive duas vidas, ou se vive em Galiza ou se vive no local para onde partimos,

Onde não há empanadas com berberechos, não há patacas cozidas com percebes,

Nem o agradável chiar do falar galego, nem o calor de um colo materno, nem o fogo do lar.

Quando se volta há uma lacuna, um espaço vazio de vida da Galiza,

Do qual o migrante não fez parte. Acontecimentos se passaram sem a sua presença.

Houve nascimentos e mortes, casamentos, inícios, finais tristes ou felizes, verbenas e festas,

Houve momentos ternos e tempos de aflição, dos quais o migrante não participou

Nem participará pois agora os rios são outros, os cerquiños são outros,

Até os toxos são outros e as gândaras,

Os xílgaros que cantam nos bosques, os parrulos nas lagoas e os miñatos nos montes

Há muito não são mais os mesmos.

Por isso os que partiram perguntam aos que ficaram: Como vai o teixo que deixei ao partir?

Porque os raros teixos que se findam também morrem de morriña e saudade.

 

Dizem que são poetas tristes os poetas de Galiza. Uma poetisa diz:

Adiós, adiós, que me vou, herbiñas do camposanto,

Donde meu pay se enterrou. Rosalía de Castro tem um olhar triste apesar de sorrir.

Uma mãe que vê, através da noite, seu filhinho pequeno morrer,

Uma mãe que atravessa esse vale da morte

Nunca mais poderá ser totalmente festiva.

Restará para sempre uma mácula indelével no seu olhar e na sua poesia,

Pois a poesia não é mais que os vestígios do olhar, dos sentidos e da vida pretérita,

Este barro mortal que envolve o espírito.

Quem disse que na gándara não brotam flores nobres?

Também lá germinam essas margaridas que sonham coisas lonxanas

Deitadas sob os robres suspiram longamente

No sé qué flor tardía de virginal frescura busco.

Às vezes de tão acuadas e vexadas dizem coisas de ingente agonia

Non coidaréi xá os Rosales, sóio é remédio a morte para curar da vida.

Outro diz: Era unha vez Galicia, espranza angosta.

Mas a mesma vate de sorriso lânguido ainda tem forças para rebater:

Non digás nunca, os mozos, que perdeches

              A risoña esperanza.

Que te recordes de um raminho de xesta que te dei, numa festa de Maio aqueles dias,

Que não deixes cair no esquecimento os brelos de camélias que colhi.

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