Píndaro e Kaváfis Pindar and Cavafy

 

 

 

Todos conhecem aquele velho problema dos escritores: a influência. O medo de copiar, mesmo inconscientemente. Onde há admiração há o grande perigo da cópia e do plágio.

Talvez alguém provavelmente já percebeu nestes textos líricos uma influência de Píndaro e de Kaváfis, meus dois grandes poetas preferidos e amados.

Píndaro, o poeta de Tebas, cujas odes feitas para louvar os poderosos, dizem que até por dinheiro, sob encomenda, encantaram os contemporâneos e nos encantam até hoje.

Alexandre destruiu Tebas, mas não permitiu que tocassem na casa onde morou Píndaro. Talvez sentisse falta da pena poética de Píndaro para louvar os seus feitos (que muitos também chamam de crimes), narcísico que era.

O Texto 1 do livro “Uma Resenha da Poesia Chinesa”, sobre Macau, não parece um texto malfeito de Píndaro? Elogios ao passado, mitologia, uma certa tristeza… Se não fosse tão inferior em qualidade, poderíamos dizer que seria uma imitação de um texto desse Mestre.

Konstantinos Kaváfis, o mago da melancolia sutil, em cujos poemas fruímos um constante convite ao erotismo, ao gozo dos corpos jovens, à volúpia da beleza, ou seja, um convite à vida, destila, junto com o deleite e a lascívia, umas gramas de lamento e tristeza, por ser a beleza, a juventude, a fama, tudo, tão perecedouro e transitório.

A essência de Kaváfis não é o erotismo homossexual, é a tristeza do devir que tudo deforma e degenera, e portanto vale para homos e heteros. Otto Maria Carpeaux disse que a poesia de Kaváfis “é uma poesia para poucos”. Errou. A poesia dele é para todos, não é só para gays, se é isso que ele quis dizer.

Talvez Walter Benjamin não tenha conhecido a obra de Kaváfis, pois muito teria falado dela se a tivesse conhecido. Kaváfis já era “benjaminiano” antes de Benjamin florescer e se manifestar.

Kaváfis se parece com um samba, um tango, um fado, um jazz ou um blues: As pessoas ouvem esses sons alegres na taberna até que, de repente, alguns acordes em tom menor lançam pitadas de melancolia no ar, como se quisessem recordar ao ouvinte que excesso de alegria é alegria falsa.

Conheci Kaváfis através do Professor Ricardo Musse, da Universidade de São Paulo. Fomos amigos em nossa juventude em Goiânia. Desde jovem ele sabia tudo, dava notícias de tudo, era uma verdadeira Wikipédia humana. Ele me apresentou uma tradução de Kaváfis. Não era uma tradução muito empolgante. Depois é que conhecemos a tradução do poeta brasileiro José Paulo Paes, muito boa.

Eu estava na livraria da Cooperativa dos Médicos no pátio do Hospital das Clínicas de Belo Horizonte, vi o livro numa prateleira, li o primeiro poema, “Desejos”, e um calafrio me percorreu toda a espinha.

Outra tradução muito boa é a do português Jorge de Sena. Penso que é impossível um poema traduzido ser tão lindo e perfeito quanto a versão de Jorge de Sena para “A nossa cara e branca…”.

Meu texto “Os Vivos e os Mortos”, no Livro Brasileiro, me parece que tem alguma influência do poema “Desejos” de Kaváfis.

O famoso poema “Ítaca” de Kaváfis ficou ainda mais conhecido quando a elegante (e esperta) Jaqueline Kennedy (Onassis) o escolheu para ser lido em seu funeral. A voz grave de seu amigo lendo o poema percorreu os noticiários de televisão do mundo.  Tive receio, quando escrevi meu texto “O navio que parte para Delos”, no Livro Grego, que fosse apontado como um plágio de “Ítaca”. A estrutura se assemelha: uma viagem de navio, que não deve ser apressada. No magnífico poema de Kaváfis essa viagem é a vida. No meu texto é uma referência à proibição de qualquer execução de condenados em Atenas enquanto o navio votivo não retornasse de Delos. Enquanto não voltasse o navio, Sócrates continuava vivo e conversando sabedorias e delicadezas com seus amigos.

 

Eis aí o terror dos poetas. Eles escrevem tendo como modelos seus escritores prediletos. Mas esses modelos podem levá-los involuntariamente para a cópia e para a desonra.

Kaváfis é a perfeição. É o Mestre maior.

Para não dizer que é totalmente perfeito, vamos admitir que Kaváfis tem um diminuto defeito, na minha opinião, que é demonstrar às vezes, em algumas pequenas brechas de seus poemas, que valoriza o erotismo gay como algo “especial”, que o comum dos homens não pode entender, como se nós, gays, fôssemos superiores. É uma orientação em que também os movimentos gays contemporâneos às vezes resvalam. Uma loucura fora da realidade.

 

No poema “Ímenos” (tradução de José Paulo Paes):

 

“… Cumpre amar inda mais e sobretudo

A volúpia malsã que só com dano se consegue

E que raro encontra o corpo capaz de a sentir como ela pede

Que malsã e danosa, propicia

Uma tensão erótica que a sanidade ignora…”

 

 

No poema “Num velho livro”, tradução idem:

 

Num velho livro – velho de quase cem anos -,

Encontrei, entre as suas folhas esquecida,

Uma aquarela em que não constava assinatura.

Tinha por título “Apresentação do Amor”.

 

Melhor conviria “- do amor dos sensuais extremados”.

 

Pois era manifesto, ao contemplar-se o quadro,

(e facilmente se entendia o propósito do artista)

Que não para os que amam de modo salutar,

Restringindo-se assim ao permitido,

É que estava destinado aquele efebo

Do quadro – com os seus olhos de um castanho escuro

E a requintada beleza do seu rosto,

Beleza dos pendores anômalos;

Com os seus lábios ideais que levam

A volúpia ao corpo amado;

Com os seus membros ideais criados para leitos

Que a moralidade vulgar tem por infames.

 

Nós gays não somos especiais nem diferentes dos demais seres humanos. Não fizemos nenhuma “opção”, como afirmam os “orgulhosos”, “gay pride”, movimentos gays. Quem faria “opção” para ser viadinho ou salta-pocinhas? (Que delicioso e cômico nome inventado pelos portugueses!)

Qual mulher faria opção de ser insultada pelo vulgo e chamada de “Sapatão”?

Na verdade ninguém, nem homens, nem mulheres, nem gays fizeram opção. Todos nós aparecemos no mundo assim. Quem fez? Quem nos colocou no mundo cada um do seu jeito? Não sei. Vamos chamar de Deus? Então Deus colocou-nos no mundo dessa forma. Não houve opção nossa, Deus que decidiu. Nós gays não devemos ter orgulho nem vergonha de sermos como somos. Foi Deus quem decidiu. Devemos pedir respeito à nossa condição em que Deus nos colocou, nada mais.

No  livro “Hípias Maior”de Platão, trecho 298 b-c, Sócrates diz que “sexo é feio, e portanto só deve ser praticado entre quatro paredes”. Isso vale para homos e héteros. Há coisa mais desagradável e feia que um casal se agarrar em público?

Em um restaurante lotado, um casal (seja homo ou hétero) começa a se beijar e abraçar calorosamente, ou num banco de praça em meio à multidão, o que é isso? Apenas falta de educação. Muito comum entre nós, no Brasil. Em outros países, nas poucas vezes em que fui ao exterior, não me lembro de ter visto. Existirá só por aqui? Será mais uma “jabuticaba” brasileira?

Os movimentos de liberação gay são essenciais. Em muitos países o homossexualismo ainda é motivo legal de pena de morte. Isso é inaceitável. Todo apoio ao movimento gay, mas chamegos amorosos em público não fica bem para ninguém, nem para gays nem para heteros. Se comportem.

Ademais, o que passa na cabecinha de alguém que oferece cenas “calientes” em público?

Apenas ilusões narcisistas. Essa pessoa pensa: olhem para mim, como sou feliz, eu conquisto, sou vitorioso, sou amado, sou poderoso…

Ah, tá bom… Eu acredito.

Em dezembro de 2022 passei alguns dias em Atenas. Procurei a estátua de Kaváfis que existe na Rua Panepistimiou, mas não a encontrei. As pessoas não sabiam informar. Como estava cansado e um pouco adoentado, não insisti muito na busca. Queria colocar uma rosa.

 

Tradução do DeepL:

 

Everyone knows that old problem for writers: influence. The fear of copying, even unconsciously. Where there is admiration there is the great danger of copying and plagiarism.

Perhaps someone has already noticed in these lyrical texts an influence from Pindar and Kavafis, my two great favorite and beloved poets.

Pindar, the poet of Thebes, whose odes to praise the powerful, said to be even for money, on commission, enchanted his contemporaries and still enchant us today.

Alexander destroyed Thebes, but didn’t allow them to touch the house where Pindar had lived. Perhaps he missed Pindar’s poetic pen to praise his deeds (which many also call crimes), narcissistic that he was.

Doesn’t Text 1 of the book “A Review of Chinese Poetry”, about Macau, seem like a poorly written text by Pindar? Praise for the past, mythology, a certain sadness… If it weren’t so inferior in quality, we could say it was an imitation of a text by this Master.

Konstantinos Kaváfis, the magician of subtle melancholy, in whose poems we enjoy a constant invitation to eroticism, to the enjoyment of young bodies, to the voluptuousness of beauty, in other words, an invitation to life, distills, along with delight and lasciviousness, a few ounces of regret and sadness, because beauty, youth, fame, everything, is so perishable and transitory.

The essence of Kaváfis is not homosexual eroticism, it is the sadness of becoming that deforms and degenerates everything, and therefore applies to both homosexuals and heterosexuals. Otto Maria Carpeaux said that Kaváfis’ poetry “is poetry for the few”. He was wrong. His poetry is for everyone, not just gays, if that’s what he meant.

Perhaps Walter Benjamin didn’t know Kaváfis’ work, because he would have said a lot about it if he had. Kaváfis was already “Benjaminian” before Benjamin flourished and manifested himself.

Kaváfis is like a samba, a tango, a fado, jazz or the blues: people listen to these joyful sounds in the tavern until, suddenly, a few chords in minor throw hints of melancholy into the air, as if to remind the listener that too much joy is false joy.

I met Kaváfis through Professor Ricardo Musse, from the University of São Paulo. We were friends in our youth in Goiânia. From a young age, he knew everything, he gave news of everything, he was a veritable human Wikipedia. He presented me with a translation of Kaváfis. It wasn’t a very exciting translation. Then we got to know the translation by the Brazilian poet José Paulo Paes, which was very good.

I was in the Cooperativa dos Médicos bookstore in the courtyard of the Hospital das Clínicas in Belo Horizonte, saw the book on a shelf, read the first poem, “Desejos”, and a shiver ran down my spine.

Another very good translation is by the Portuguese Jorge de Sena. I think it’s impossible for a translated poem to be as beautiful and perfect as Jorge de Sena’s version of “A nossa cara e branca…”.

My text “The Living and the Dead”, in Livro Brasileiro, seems to me to have some influence from Kaváfis’ poem “Desires”.

Kaváfis’ famous poem “Ithaca” became even better known when the elegant (and clever) Jaqueline Kennedy (Onassis) chose it to read at her funeral. Her friend’s deep voice reading the poem was broadcast on television news programs around the world.  I was afraid, when I wrote my text “The ship leaving for Delos”, in the Greek Book, that it would be pointed out as a plagiarism of “Ithaca”. The structure is similar: a voyage by ship that must not be rushed. In Kaváfis’ magnificent poem, this journey is life. In my text, it’s a reference to the prohibition of any execution of the condemned in Athens until the votive ship returned from Delos. As long as the ship didn’t return, Socrates was still alive and talking wisdom and delicacy with his friends.

This is the terror of poets. They write using their favorite writers as models. But these models can lead them unwittingly to copying and dishonor.

Kaváfis is perfection. He is the greatest Master.

In order not to say that he is totally perfect, let’s admit that Kaváfis has one tiny flaw, in my opinion, which is that he sometimes shows, in a few small gaps in his poems, that values gay eroticism as something “special” that ordinary men can’t understand, as if we gays were superior. It’s an orientation that contemporary gay movements sometimes slip into. A madness outside of reality.

In the poem “Ímenos” (translated by José Paulo Paes):

“… We must love even more and above all

The unhealthy voluptuousness that can only be achieved with harm

And which rarely finds the body capable of feeling it as it demands

Which, unhealthy and harmful, provides

An erotic tension that sanity ignores…”

 

In the poem “In an old book”, translation idem:

In an old book – almost a hundred years old -,

I found, among its forgotten pages

A watercolor with no signature.

Its title was “Presentation of Love”.

A better title would be “The love of extreme sensuality”.

Because it was obvious when you looked at the painting,

(and one could easily understand the artist’s intention)

Not for those who love in a healthy way,

thus restricting himself to what is permitted,

That that ephebe was destined

Of the painting – with her dark brown eyes

And the exquisite beauty of her face,

Beauty of anomalous inclinations;

With her ideal lips that bring

Voluptuousness to the beloved body;

With her ideal limbs created for beds

That vulgar morality considers infamous.

 

We gays are not special or different from other human beings. We haven’t made any “choices”, as the “proud”, “gay pride”, gay movements claim. Who would “choose” to be a faggot or a puddle-jumper? (What a delicious and comical name invented by the Portuguese!).

What woman would choose to be insulted by the vulgar and called a “butch”?

No one, not men, women or gays made the choice. We all appear in the world like this. Who did? Who put us into the world each in our own way? I don’t know. Shall we call it God? So God put us into the world that way. It wasn’t our choice, God decided. We gays shouldn’t be proud or ashamed of who we are. God decided that. We should ask for respect for our condition in which God has placed us, nothing more.

In Plato’s “Hippias the Greater”, excerpt 298 b-c, Socrates says that “sex is ugly, and therefore should only be practiced between four walls”. This applies to both homosexuals and heterosexuals. Is there anything more unpleasant and ugly than a couple grabbing each other in public?

In a crowded restaurant, a couple (whether gay or straight) start kissing and hugging warmly, or on a bench in the middle of a crowd, what is that? It’s just rude. Very common among us in Brazil. In other countries, the few times I’ve been abroad, I don’t remember seeing it. Is it only here? Is this another Brazilian “jabuticaba”?

Gay liberation movements are essential. In many countries, homosexuality is still legal grounds for the death penalty. That’s unacceptable. All support for the gay movement, but flirting in public doesn’t look good for anyone, gay or straight. Behave yourselves.

Besides, what goes through the head of someone who offers “hot” scenes in public?

Just narcissistic delusions. This person thinks: look at me, how happy I am, I conquer, I’m victorious, I’m loved, I’m powerful…

Oh, well… I believe it.

In December 2022, I spent a few days in Athens. I looked for the statue of Kaváfis on Panepistimiou Street, but I couldn’t find it. People didn’t know how to tell me. As I was tired and a bit ill, I didn’t look too hard. I wanted to place a rose.

 

242 Views

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *