Na Bahia há uns Daseins que sonham muito, riem muito,
Confiam que Oxalá lhes dará
E Senhor do Bonfim vai trazer
Usam fitinhas coloridas como talismã
Pedem bênçãos a todos os santos e querem esquecer
As correntes e as chibatas que os trouxeram de África, de além-mar
Não podem ouvir um tamborim que eles vão dançar
Não podem ouvir um bandolim que eles vão cantar
Jogam flores para Iemanjá, para que a Rainha lance bênçãos e encantamentos
Nas vidas que labutam na terra e no mar.
Na Alemanha há uns Daseins melancólicos
Que viram tantas vezes o Titanic afundar
O sonho de muitas vidas mirrar inda em botão
A Edelweiss ser brutalmente arrancada numa explosão no ar
Que há um desânimo em sonhar.
Na vida é melhor que não haja otimismo demais, eles pensam.
Não há mais certeza que Senhor do Bonfim vai trazer
Nem que a alegria e a vida feliz de Oxalá vai chegar.
Então eles refletem e hesitam, duvidam e fazem tentativas,
Concebem teorias e pensamentos, elaboram ensaios, escrevem livros
Sobre este Whansinn chamado vida, ou ser, ou existência.
E se a coruja de Minerva decifra a esfinge arcana,
Daseins de todo o mundo acodem para ouvir os seus juízos
E folhear seus livros,
Buscando que lhe tragam um sentido e um ancoradouro na baía calma.
Eles também trabalham tenazmente enchendo de guarnições seus paióis ,
Mantendo as despensas lotadas, acumulando víveres,
Pois eles sabem, eles jamais podem esquecer
O que passaram e o que podem voltar a passar.
Eles não têm muitos estímulos para cantar, gargalhar e bater tamborim,
As experiências passadas não mais permitem essa desenvoltura.
O sofrimento que as gerações padecem deixam rastros roucos na voz,
Mãos um pouco trêmulas e fantasias estremecidas.
E ilusões são para principiantes, eles acham.
Quando cantam, cantam poemas contidos, elegantes, sem arroubos.
Sua poesia diz coisas assim: Manchmal geschiet es in tiefer Nacht
Pois lá muitos veem o mundo apenas pelo lado da noite
Ignorando o lampejo que ainda rutila no lado do sol.
Também cantam versos como Sag mir wo die Blumen sind
Porque lá, como em todos os lugares,
Às vezes há tempos em que somem as flores
E os Daseins vagam, desalentados, em busca de uma estrada florida.