O canto xavante dos mortos

No funeral de Dom Pedro Casaldáliga,

Em São Félix do Araguaia, no velho ginásio à beira do rio

Os Xavantes chegaram para a última homenagem e o adeus.

Por duas vezes um deles, incontido,

Iniciou o canto fúnebre de sua gente, em sua língua.

Soava lacrimoso, como todo réquiem.

Podia-se jurar que, na verdade, o indígena cantava a chorar

Uma incelença em tom menor magoada e dolente.

Podia-se também, por um breve instante, pensar num ataque histérico.

Porém não. Era totalmente sincero, reverente, melancólico.

Moviam-no certamente as imagens antigas guardadas desde a infância

Daquele homem frágil, muito branco e pálido, incansável, em pé,

Que viera de longe, de outras terras,

Daquelas mãos solícitas, e, acima de tudo, daquela voz forte, poética, calorosa,

Sempre atenta, sem armas, a não ser a própria voz musical,

A proteger dos assassinos os índios, os pobres,

As putas e os peões doentes e abandonados.

Também o olhar, que lançava, junto com a voz, através de vales e montes.

Vales e montes lotados de mortos e esquecidos.

O Xavante, no íntimo, chorava por aquela voz.

A terna voz do amor e da Justiça que agora emudecera e partia.

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