Meus Amigos

Escrevo sobre tantas coisas.

Sobre as borboletas que adejam na minha janela,

Os homens que caminham tão ansiosos a passos céleres sobre a terra

Pressurosos, temerosos, perscrutando os astros e os adivinhos.

Alguns filósofos os chamam de Daseins, sempre correndo, sempre aflitos.

 

Escrevo sobre os portugueses e espanhóis, homens do mar

Que pescaram humildes sardinhas para suas cozinhas

Mas também deitaram naus poderosas nos oceanos para buscar o ouro, a prata e os perfumes

E se perderam em crueldades no oriente e no ocidente, como qualquer homem se perde

Quando está obcecado pelos tesouros e pela glória.

 

Escrevo sobre jovens atônitos, desorientados, que nas grandes capitais

Procuram as festas, bebem, seguram um Dry Martini meio desengonçados.

Dançam, vestem roupas exóticas, procuram o amor e a amizade

Às vezes não sabem como começar, não encontram um caminho

E se auto agridem, se perfuram, se suicidam.

 

Escrevo até sobre reis antigos e sobre os soldados que por um triz não morrem no deserto

E chegam, dez mil, próximo ao mar, sua salvação, gritando Talassa, Talassa.

 

Por que não haveria de escrever sobre meus amigos melhores, meus cães,

Que se entediam quando passo horas parado a ler,

Consultando os livros, anotando doces palavras,

Mas jamais saem de perto de mim?

Eu lhes sugiro que passeiem no quintal, no jardim. Que se desgarrem de mim,

Pois sou muito atarefado, tedioso.

Tenho muitas leituras a fazer, e coisas a escrever, não posso passear.

Inútil. Eles se deitam perto de mim, cochilam, aguentam firme minha rotina aborrecida.

Às vezes, no auge do tédio, eles se levantam e põem a cabeça sobre meus joelhos e me olham

Com olhos lânguidos, súplices, como se dissessem “vamos passear um pouquinho,

chega de ficar sentado, o dia resplandece lá fora,

Dê-nos a honra de sua companhia em alguns minutos de sol”.

Então sorrio e vou. Mas só por uns instantes. Tenho de ler e escrever

Sobre encantos, amizade, amor. Sobre nossa transitoriedade,

Sobre a melancolia do mundo móbil e volátil.

Outras vezes, mas só de vez em quando,

Também sobre beijos calientes e olhares repletos de volúpia e desejo.

214 Views

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *