Não acredito que os filólogos escarafuncham as línguas e as letras apenas por um salário
Como um mineiro que garimpa a turmalina para levá-la ao mercado e que esconde
O ouro reluzente dos olhares ávidos e invejosos.
O filólogo, lá no fundo de si, tem uma devoção, uma grande paixão.
Ele busca a vida humana já passada, a voz, o canto dos anônimos, as palavras mortas
Uma frase cheia de dor e sangue de um escravo ou uma expressão de poder
De um rei quando ordena impiedosamente a execução dos cativos.
Naturalmente, o filólogo examinará também, com muita atenção, as palavras
Dos cativos. Como cada um se expressou, em prantos, ao saber da ordem real.
Cada palavra escrita em um fragmento, pois o som perdeu-se para sempre
Será perscrutada pelo garimpeiro de vidas antigas. O que foi apagado de um palimpsesto
Será novamente chamado à vida, na medida do possível, como faz o restaurador ao retirar
A pátina do tempo de um móvel ou de uma obra de arte, o azinhavre do cobre,
Todas essas coisas que os anos e o tempo produzem e que nos fascinam
Porque representam uma parte da vida, da práxis dos homens e dos animais
Que já passou, mas que sentimos como um pedaço de nós, porque entendemos
Perfeitamente, mesmo os mais insensíveis, que viemos de lá, daquela obscuridade
Que somos sua continuação, somos o presente e seremos um dia o passado,
Por nossa vez cobertos de azinhavre, pátina e pó.
Os filólogos escrevem dicionários e gramáticas das vozes extintas
Buscam restaurar, captar novamente os momentos de encanto
Através das palavras, dos textos, dos alfarrábios gravados pelos cálamos,
Ressuscitar as letras, os textos apagados e as emoções.
Essa é a função dos filólogos. Por isso são grandes poetas.
Mesmo que não escrevam textos poéticos, eles os desenterram
E apresentam-nos novamente à contemporaneidade extasiada.
Muito interessante