Acordos Ortográficos da Lusofonia – Lusophone Spelling Agreements

Jabuticaba brasileira. Dizem que essa fruta só existe no Brasil. Será verdade?
Dizem que a rainha da Suécia, que viveu parte de sua infância no Brasil, aprecia muito.
Brazilian Jabuticaba. They say that this fruit only exists in Brazil. Is it true?
It is said that the Queen of Sweden, who lived part of her childhood in Brazil, appreciates it very much.

 

 

 

Brasília, 28/10/2022.

Antes eu não me importava muito com os chamados Acordos Ortográficos da Lusofonia, até perceber que eles trouxeram uma terrível consequência para os falantes do português no Brasil. Consequência para a fonética do português brasileiro. Não para a unificação da ortografia, que era o objetivo do Acordo.

Como caíram quase todos os acentos, especialmente os diferenciais, que mostravam, por exemplo, se a pronúncia do “É” e do “Ó” eram abertas ou fechadas. A palavra “Côco”, por exemplo, tinha o “Ô” com o chapeuzinho, o acento circunflexo, para afirmar que seu som deve ser fechado. Falamos Côco e não Cóco, com o “Ó” aberto.

Como os acordos eliminaram os acentos, o falante deve saber como se pronuncia a palavra de acordo com a tradição da língua.

Mas no Brasil não aconteceu assim.

O Brasil é dividido. Ninguém fala muito sobre isso, tenta-se esconder.

Todas as indústrias que se instalam no Brasil estão na região de São Paulo. Por isso essa região é a mais rica, tem mais empregos, recolhe mais impostos, tem as melhores universidades. Os três estados ao sul de São Paulo, de clima mais ameno, juntamente com o próprio São Paulo, constituem a região do país para onde se dirigiram, no passado, a grande massa de imigrantes italianos, espanhóis e alemães e formam o extrato mais rico do Brasil, que se considera mais “europeu”.

O restante do país, especialmente o Nordeste, é mais pobre, é mais negro e português, é açoitado por secas e pelo calor intenso. Muitos têm de migrar para procurar emprego nas regiões “sulistas” onde se concentra a indústria.

Nesse aspecto se assemelha à divisão que existia outrora entre a Itália pobre do Sul e a rica e industrializada do Norte. Não sei se existe isso ainda. A Galícia rural era um pouco depreciada pela Espanha mais rica e industrializada. Quando morei na Alemanha, na década de oitenta, ouvi muitas vezes alguns chamarem as pessoas de regiões menos desenvolvidas de “alpinen”. Que me pareceu algo depreciativo para habitantes de regiões mais rurais. Também não sei se essa conotação ainda ocorre.

Essa massa de migração que ocupou o sul do Brasil tende a chamar o “É” de “Ê”, e nunca se conformou muito com o modo de falar tradicional da língua portuguesa. Tudo bem, isso é normal. Deve-se respeitar o seu modo peculiar de falar a língua.

Mas com a queda dos acentos diferenciais, essa população sulista do Brasil, “europeia”, ajudada pelos meios de comunicações, se lançou a conquistar espaço e a procurar hegemonia.

O “É” mudou para “Ê”. O “Ó” mudou para “Ô”. Até aí não haveria grandes problemas porque a letra “E” na verdade é o símbolo gráfico de duas vogais da língua portuguesa, o “é” e o “ê”. Na nossa língua temos o som “é” e o som “ê”, ambos representados pela grafia “e”. O problema surge quando se tenta mudar a tradição de como a letra ou a língua são faladas apenas por picuinhas de disputas regionais, racistas, elitistas, políticas.

A elite sulista quer impor que o “certo” e “elegante” é falar côração e não o velho córação; amêricano e não americano, apesar desse adjetivo vir da palavra “América”, que eles ainda não ousaram transformar em “Amêrica”. O número zero sempre chamamos de “Zéro”, é nossa tradição, isso a “êlite” (eles não falam élite, falam êlite) brasileira ainda não mudou, mas zerar, sim, eles mudaram. Se você não falar “zêrar” não é chique, é “nortista” pobre, atrasado, de descendência portuguesa, descendentes daqueles portugueses que só sabiam pilhar, nunca levaram o progresso a nenhuma colônia como os “chiques” ingleses.

É lamentável isso, porque os nortistas do Brasil, os pobres, os que têm de migrar para o sul em busca de trabalho também têm de mudar o jeito de falar. Se os ricos e chiques decidiram eliminar a letra “É”, os cantores, os locutores de rádio e televisão, as vozes da propaganda, todos só falam o chique “Ê” e “Ô”, então os humildes e pobres, negros e “nortistas” e “descendentes” de portugueses devem também falar “certo” para não serem ridicularizados. Não é uma mudança linguística natural, ela é forçada, política, humilhante e fascista.

Por isso, agora acho que esses acordos ortográficos nunca deveriam ter existido. Que voltem os acentos!!

Abaixo o ódio contra o “É”. Esse ódio é uma jabuticaba brasileira. Só existe no Brasil.

Comecei a estudar grego moderno há algum tempo. Com muita surpresa percebi que os sons “Ê” e “Ô” não existem no grego. Fiquei felicíssimo. Bravos gregos, até hoje nos dando lições.

Um dia desses ouvi no Youtube um brasileiro da “êlite” falar sobre o Rio Tejo dizendo “Têjo”. Será se os portugueses apreciam isso?

Nossos países irmãos lusófonos, especialmente o primeiro proprietário da língua, Portugal, nos desculpem o vexame. É que o Brasil ainda é um país à procura de um caráter.

 

I didn’t care much about the so-called Lusophone Spelling Agreements until I realized that they brought a terrible consequence for Brazilian Portuguese speakers. Consequence for the phonetics of Brazilian Portuguese. Not for the unification of spelling, which was the goal of the Accord.

As almost all accents fell away, especially the differential ones, which showed, for example, if the pronunciation of “É” and “Ó” were open or closed. The word “Côco”, for example, had the “Ô” with the little hat, the circumflex accent, to state that its sound should be closed. We now speak Côco and not Cóco, with the open “Ó”.

Since the agreements eliminated the accents, the speaker must know how to pronounce the word according to the tradition of the language.

But in Brazil it didn’t happen this way.

Brazil is divided. Nobody talks much about it, they try to hide it.

All the industries that are installed in Brazil are in the São Paulo region. That is why this region is the richest, has more jobs, collects more taxes, has the best universities. The three states to the south of São Paulo, with the milder climate, together with São Paulo itself, constitute the region of the country where the great mass of Italian, Spanish and German immigrants went in the past, and form the richest strata of Brazil, which considers itself more “European”.

The rest of the country, especially the Northeast, is poorer, is more black and Portuguese, is plagued by droughts and intense heat. Many have to migrate to look for jobs in the “southern” regions where industry is concentrated.

In this respect it resembles the division that once existed between poor Italy in the South and rich, industrialized Italy in the North. I don’t know if this still exists. Rural Galicia was somewhat belittled by the richer and more industrialized Spain. When I lived in Germany in the eighties, I often heard some people calling people from less developed regions “alpinen”. Which struck me as somewhat derogatory to inhabitants of more rural regions. I also don’t know if this connotation still occurs.

This migration mass that occupied the south of Brazil tends to call the “É” “Ê”, and has never really conformed to the traditional way of speaking the Portuguese language. All right, this is normal. One should respect their peculiar way of speaking the language.

But with the fall of the differential accents, this “European” population from the south of Brazil, helped by the media, set out to conquer space.

The “é” changed to “ê”. “ó” changed to “ô”. So far there would be no major problems because the letter “e” is actually the graphic symbol of two vowels of the Portuguese language, the “é” and “ê”. In our language we have the sound “é” and the sound “ê”, both represented by the spelling “e”. The problem arises when trying to change the tradition of how the letter or tongue are spoken only by squabble of regional, racist, elitist, political disputes.

The southern elite wants to impose that the “right” and “elegant” is to speak “côração” and not the old “córação”  “amêricano” and not “américano”, although this adjective comes from the word “América”, which they have not yet dared to turn into “Amêrica”. The number zero we have always called “Zero”, it is our tradition, and the Brazilian “êlite” (they don’t speak élite, they speak êlite) has not changed yet, but to zero, yes, they have. If you don’t speak “zêrar”, you are not chic, you are a poor, backward northerner, of Portuguese descent, descendants of those Portuguese who only knew how to plunder, who never brought progress to any colony like the “chic” English.

This is regrettable, because the northerners in Brazil, the poor ones, the ones who have to migrate to the south in search of work, also have to change the way they talk. If the rich and chic decided to eliminate the letter “É”, the singers, the radio and television announcers, the advertising voices, all speak only the chic “Ê” and “Ô”, then the humble and poor, black and “northerners” and “descendants” of Portuguese must also speak “right” in order not to be ridiculed. This is not a natural linguistic change, it is forced, political, humiliating and fascist.

So now I think those spelling agreements should never have existed. Let the accents come back!!!

Down with the hatred against “É”. This hatred is a Brazilian jabuticaba. It only exists in Brazil.

I started studying modern Greek some time ago. To my great surprise I realized that the “Ê” and “Ô” sounds do not exist in Greek. I was overjoyed. Brave Greeks, until today giving us lessons.

The other day I heard on Youtube a Brazilian “êlite” talking about the Tejo River, saying “Têjo”. I wonder if the Portuguese appreciate this?

Our Portuguese-speaking brother countries, especially the first owner of the language, Portugal, excuse the embarrassment. Brazil is still a country in search of character.

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