A Espanha, a Vizinha

Lá, onde Platero corre pelos campos, está Espanha.

Onde um olmo morto comove um poeta nostálgico está Espanha.

Onde o sonhador idoso e trêmulo, mas empertigado

E fidalgo, enfrenta os moinhos

E saca a espada a combater bandoleiros em defesa das damas e das honras,

Lá está Espanha.

 

Agora que passou Aljubarrota, passou Montijo, Ameixial e também Berlengas,

Portugal não possui hoje uma inimiga, mas uma vizinha.

Uma elegante vizinha que se chama Espanha.

 

Sim, uma parte de Espanha saiu como louca aquela vez

Em busca de ouro e prata. Matou. Escravizou.

 

Mas todos, às vezes, enlouquecem.

Também uma parte de Espanha uma vez se tornou fanática,

Torturou e queimou pessoas em Sevilha, em Toledo.

 

Porém outra parte continuou doce.

A parte que voltou pobre de Cartagena de Índias e Cuba

Mas voltou com mãos limpas e olhar sereno, brilhante,

O maravilhoso olhar que só os justos possuem.

Por causa desses, Espanha conseguiu sobreviver altiva,

Amada pelo mundo. Essa é a parte que ainda hoje esplende,

Um brilhante lustroso, um perfume que se expande entre as nações

E faz Espanha permanecer imprescindível.

 

É verdade, venerável Bartolomé,

Espanha fez Cihuacoatl chorar um choro muito triste,

Cihuacoatl chorava, ela soluçava, suplicava, ela dizia: meus filhinhos,

Onde vamos nos esconder, onde vamos nos ocultar, nos refugiar?

 

Espanha enviou Tonatiuh, imensamente belo como o sol,

Imensamente malvado como o inferno, senhor da morte como Micli.

Espanha também lançou aguaziles assassinos sobre o campo outrora tão florido e perfumado

E tornou silenciosos e abatidos os pássaros que cantavam e saltitavam.

 

Creo que por estas ímpias e celerosas y ignominiosas obras, tan injusta, tiránica y

barbáricamente hechas, Dios há de derramar sobre España su furor y ira.

 

Deus não o fará, admirável Bartolomé, porque em Espanha, por sua graça, há muitos Lot

Que limparão de seu corpo a cinza ardente, as manchas infames do sangue dos inocentes

E espalharão em seu lugar, com carinho, novamente, as campanillas.

 

Uma vez, ninguém pode negar, Espanha tentou fazer tudo melhor.

Não deu. Até Verde Que Te Quero Verde lutou.

Atingido por um rabo de foguete, se foi. Naufragou assim a barca frágil

Pintada de esmeraldas, de verde limão das algas do mar

E do verde herbal da Sierra Nevada de Granada.

Depois encantou-se como um astro.

 

Quem feriu com o garrote vil jogue no fundo do poço

E cubra com rochedos.

Enterre bem fundo quem acendeu os fogaréus, Espanha.

 

A parte sombria de Espanha desejou, mas não logrou

Extinguir a doçura da parte doce de Espanha,

Que continua aí, perene, esplêndida para o mundo,

Quando abre a boca e emite os acordes de sua bela e melodiosa língua

Exalando no ar uma camerata de melros.

Há uma alma de Espanha que ama e respeita as criaturas

E já desde tempos remotos vê nas criaturas

O intocável tesouro de segredos arcanos.

 

Senhores do mundo, deuses,

Quem detiver o cetro sobre nossos destinos, por favor,

Dai longa vida a Espanha.

 

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