Resenha de “Die bittere Tränen der Petra Von Kant”, de Rainer Werner Fassbinder

Um grande amor

Começa com uma luz que reluz para olhos cansados.

Como um som musical no meio da modorra do dia

E do barulho das máquinas.

Um grande amor pode começar

Quando o tédio por pouco não nos empurra para os braços da morte.

Mas um grande amor também pode nos empurrar para os braços do fim.

Foi o que aconteceu com Petra von Kant,

Esta senhora tão esperta e ágil ao negociar,

Exímia em ver ao longe oportunidades e vencer,

Frequentemente a cantar, com dinheiro, com comendas,

Prendada, premiada, empreendedora, estilista e artista,

Elegante, em seu tubinho negro, robe sirène.

Trabalhava duro,

Espalhava o tecido sobre a mesa, tartan ou denim,

Ou sobre o manequim, organza de seda, chiffon,

Com a ajuda de sua assistente Marlene.

Escolhia os acessórios, cordoncini e botões,

Cortava a crinolina para tornar a orla mais firme,

Desenhava os cartamodelli para a linha pop

E para a alta costura,

Que iriam estourar em sucesso nos Kleiderbügel da Karstadt.

Mas que num belo dia de sol olhou pela janela e pensou:

É muito fácil, é vulgar.

Não há desafios, tudo conquistei, tudo consegui,

Que mais posso fazer?

Depois caiu a chuva e o cinza do dia trouxe ennoia,

Uma esquisita exaustão e vontade de chorar.

Ah, mas ela não sabia por quais sombras ainda ia passar

As lágrimas amargas, die bittere Tränen, que choraria,

Enquanto na solidão caminharia entre vales escuros,

E um sfumato se apossava de todos seus sonhos secretos,

O sfumato ilusório que se vê nos olhos dos apaixonados

Quando acreditam que está em outro, num ser amado,

Sua salvação.

Geralmente não há salvação.

La dolore impiedosa substitui a enfadonha noia.

Exatamente assim aconteceu,

Quando Petra von Kant pousou por acaso os olhos cansados

Sobre a figura jovem, pretensamente elegante,

Daquela aparição,

Que usava um tailleur negro sobre o corpo delgado,

Um casquete e um fascinator sobre a cabeça orgulhosa

E um voilette sobre a face pálida.

Que prometia tantas cortesias e alegrias.

Tudo começou quando a convidou a sua casa,

Ofereceu um gin ou um espumante Sekt,

Num dia frio em que portava um gorro de vison,

E ela disse que gostava de fotonovelas, romances,

De películas sobre amores sofridos e paixões secretas.

Para saber mais sobre dor, solidão e lágrimas,

Só vendo o filme, as lágrimas amargas.

 

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