Prefácio do livro publicado

Esta resenha foi publicada anteriormente dentro de “O Livro Português”, visto que Portugal possuiu colônias na Índia, Goa especialmente, e que esse contato com o mundo indiano trouxe uma grande riqueza cultural (a parte boa do colonialismo) ao mundo de fala portuguesa. Essa foi a motivação de inicialmente incluí-la em “O Livro Português”.

Mas a resenha ficou muito grande e decidimos publicá-la em separado. E, posteriormente, publicar novamente “O Livro Português” já reformulado.  Continua, porém, sendo uma homenagem à riqueza cultural da Índia, com a qual tivemos sorte de ter contato através das navegações de Portugal e do trato comercial nos últimos séculos.

Pena que nenhum filólogo lusófono, amante do sânscrito, ousou traduzir “O Mahabharata” ou outros clássicos indianos que nos enriquecessem mais ainda com a cultura hindu, como fizeram os anglos.

Autores como o padre Sebastião Rodolfo Dalgado, natural de Goa e professor em Lisboa, ou o português Guilherme de Vasconcelos Abreu, professor de sânscrito, um dos pioneiros nos estudos sânscritos em universidades de língua portuguesa, até publicaram gramáticas ou manuais de sânscrito, mas não se dedicaram à tradução de obra tão monumental, ou pelo menos não publicaram. Ouvi do Prof. Ricardo Musse, da USP, que parece haver uma equipe da Faculdade de Letras dessa universidade tentando realizar esse laborioso e exaustivo trabalho, embora ele tenha afirmado não saber se o projeto continua. Obviamente isso dura anos. Boa sorte e obrigado aos filólogos participantes.

Para fazer essa criação eu tive que utilizar a tradução inglesa “The Mahabharata of Krishna-Dwaipayana Vyasa” feita por Kisari Mohan Ganguli (Utkarsh Upadhyay) que está em domínio público no site Internet Sacred Text Archive (ISTA) e a tradução para o português dessa tradução em inglês, realizada por Eleonora Meier e disponibilizada também na internet gratuitamente. Muito obrigado a essas fontes filológicas.

Utilizei-me ainda de algumas das inúmeras edições condensadas, tanto de O Mahabharata como de seu segmento O Bhagavad-Gita, feitas por vários autores, aos quais consegui ter acesso:  William Buck; Krishna Darma; Georg Feuerstein; uma edição espanhola de 1986, da editora Edicomunicacion, que tem Julio Pardilla como tradutor; uma edição brasileira de 1943, da editora Edições Cultura, com tradução de Annibal Mello de Noronha e Faro.

Passeando pela internet, me deparei com essa citação curiosa de Moritz Winternitz, indólogo austríaco, professor da Universidade de Praga, autor de uma História da Literatura da Índia (Geschichte der indischen Literatur 1909), sobre o Mahabharata: “Apenas teólogos pouco poéticos e escribas desajeitados poderiam ter agrupado as partes de origem díspar em um todo desordenado”.

Pode a citação estar fora do contexto (não tive acesso ainda ao livro do Prof. Moritz Winternitz sobre a História da Literatura Indiana, de onde certamente foi retirada essa frase), mas é impossível não lembrar da polêmica provocada por Ezra Pound e Ernest Fenollosa -mencionada no livro “Uma Resenha da Poesia Chinesa” – com suas teorias sobre traduções dos ideogramas chineses, que no fim quer nos lembrar apenas de um fato: os filólogos e linguistas fazem um trabalho, os poetas fazem outro.

Um é o olhar da filologia e da linguística, mais árduo e meticuloso, outro é o olhar da poesia, mais leviano e risonho.

Quem já leu uma tradução completa do Mahabharata percebeu que pelo menos 80% desse épico, em seus dezoito livros, é doutrinação simpática aos brâmanes, defesa de seus privilégios e regalias, elogio de uma casta de homens, elevação da figura de homens especiais, escolhidos por Deus como seus preferidos, sejam sacerdotes ou não. Isso dá uma ideia de quem escreveu o texto ou o manipulou.

Os demais 20% são musas cheias de humanidade. Foi dessa parte poética que eu tentei extrair um pouquinho do encanto vibrante que oferece e colocar nessa falsa resenha.

Espero que gostem da minha tentativa de colher uma pequena gota do sumo mais íntimo da poesia do grande épico.

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