Resenha de “O Bhagavad Gita”

                 Esta linda síntese mística está no Mahabharata

Ele que é o inverno, Ele que é o verão.

Ele que ri expelindo flores e perfumes sutis pela boca

Ele que ressuscita os mortos e pratica as ações dos justos

Ele, como um pai com os filhinhos nos jogos de cabra-cega,

Facilmente se deixa apanhar pelos que ama e protege.

Nascido por si mesmo, causa própria de sua existência

Possui a chave do conhecimento e da ilusão.

 

Não nascido, não criado, perpétuo, móbil oculto do universo, fundamento.

De tez azul como a flor do linho Atasi, sedutor que arrasta Radha

Ornada de contas de Gunja. Arrasta a todos, adornado de todo esplendor

Imutável e perene diante de nossa presença e nosso frágil corpo ocasional e fugaz.

As flores de magnólia Champa, de suave perfume balsâmico,

Entorpecem, no verão, o ar já cálido que veio da primavera.

Kamadeva então lança os dardos de amor

Que acima de tudo nos fere através dos olhos de Krishna,

Adorado em todos os domínios, nas alturas do norte e nas planícies do sul.

 

Krishna disse a Arjuna: Ouça, Bharata. O ilustre Kala, filho de Dhruva,

Filho de Prajapati, filho de Manu, filho de Brahma

É o tempo, destruidor dos mundos quando se passam os Kalpas,

Infinitos para os mortais, para os deuses, porém, finitos.

Como o rastro do perfume de Lakshmi que se dispersa no ar

“A auspiciosa Lakshmi, filha de Brahma, que tem sua residência em meio aos lótus”.

 

Narada disse: “Krishna é o ator. Faz todos os outros atuarem na ribalta.

É o tempo que destrói e é o tempo que reconstrói.

O fogo é sua boca, repleta de ouro candente. De Rohini nasceram todas as vacas

E de Gandharvi todos os animais da espécie dos cavalos.

Mas só há vitória onde Krishna está. Só há vitória onde a Justiça está”.

No leito de morte, Bhishma lembra que também ele disse com ternura a Duryodhana,

Inutilmente, há anos: “A Justiça está onde Krishna está,

E só há Vitória onde a Justiça está. Purifica-te, Ó mais forte dos touros,

E canta o teu hino a Durga, suplicando a derrota do inimigo,

Suplica o fim do que age com iniquidade ferindo a lisura e a razão,

Pede a ela, que mora na floresta de Mandara, livre de decrepitude e decadência.

Conduz a flâmula de penas de pavão e traja todos os ornamentos, a vitória eterna”.

 

“Eu não desejo vitória, nem soberania nem prazeres” diz Arjuna a Krishna,

“Se para isso tenho de matar todos os meus parentes e os preceptores

E professores mais amados. Mesmo que tenham sido desonestos, não desejo a vitória.”

Krishna diz: Filho de Pritha, mira esses Kurus aqui reunidos.

O indômito rei dos Kashis, Purujit, também estava lá.

Bhisma, de tantos passados valentes em sua longa idade.

Fez soar os búzios e trompetes,

Os outros todos responderam, cada qual com o seu instrumento.

Sahadeva vibrou um búzio auspicioso ornado de pedras preciosas.

Arjuna ergue o pendão intrépido com a estampa régia de Hanuman.

 

Arjuna diz: Todas as provectas alegrias, saudações felizes,

Jogos e brincadeiras de outrora,

Estão aqui ante mim, eu taciturnamente me recordo.

Por que agora o braço armado, a morte inevitável pelos Astras,

Em troca de gritar mais alto, de um reino a mais?

Que vale um reino, ó Govinda, se extingue o amor e a alegria?

Seria preferível comer sobras de alimentos obtidos por esmola

A ofender mestres e companheiros tão queridos.

 

Krishna diz: Sempre fui, sempre somos, sempre seremos.

Agora estás sob o apego de Maya e não vês o que é eterno,

A iluminação resplandecente que não se extingue

Atrás do brilhante e fugaz crepúsculo da tarde que empalidece em minutos.

O Atman imperecível continua eterno como a fonte que o sustenta, o Brahman.

Por isso, Arjuna, não pranteies a tua graciosa infância, os carinhos de tua mãe,

O pão que tão avidamente comeste, faminto, voraz,

Cansado após as correrias e alegres brincadeiras com os camaradas.

 

Purusha apenas troca as vestes, como a mãe troca os alvos lençóis

De tua cama, perfumados de alâmbar

E continua a seguir pela estrada. Eternamente nasce, eternamente morre.

Procura apenas a justiça, e ela te levará ao repouso imperecível de Brahman.

Agora vai e luta pela Justiça. A luta é contínua e eterna como a alma eterna.

 

Alma imortal, Alma do Mundo de mil sóis resplandecentes e presas que devoram

Rakshasas e Asuras. Que apresenta também a face da ternura e delicadeza.

Faz nascer o filhotinho e engendra o leite que o nutre. Faz brotar as florestas

E cuida das vegetações, da erva Kusa até a gigantesca árvore Sala

Ou a árvore Banian sagrada.

Orna a terra com os diamantes, o ouro e as safiras

Enfeita o mar com as pérolas e o esplêndido azul índigo das ondas

Colore o mundo com o azul do céu, com o carmesim da garança sobre a seda,

A púrpura que vem das conchas marítimas e se estende sobre os mantos de linho.

Perfuma o ar com as fumaças do Sândalo, do Guggul e da Mirra.

 

Ó tu, Multiforme, “menor do que o menor e maior do que o maior”,

Deixa esta forma esplendorosa que me assusta

Volta à forma habitual, Amparo do Universo, com quatro braços

A maça, disco na mão, como antes nos era familiar, Todo Amável.

Tu és a panaceia para todas as tristezas. Sem nascimento e morte,

Autocriado, eterno, és chamado de Hari e Narayana.

 

“Verdade é Justiça; aquilo que é Justiça é Luz; e aquilo que é Luz é Felicidade.

Mentira é Injustiça. Aquilo que é Injustiça é Escuridão. O que é Escuridão

É Tristeza e Miséria.”

Quem está atento a isso será

Como a montanha Kalanjara, jamais arrastada pelo vento.

Abstenção de ferir é a religião mais elevada.

Abstenção de ferir é a religião íntegra em recompensas.

A comunhão íntima e contínua com Brahman é a fonte de felicidade.

Ignorantes, que não se desapegam nem por um instante de filhos, de amores,

Nem de animais, riquezas e cereais, não são felizes.

Estão atados nas correntes das afeições.

Como os chifres do veado Ranku aumenta de tamanho

À medida que ele cresce, também o desejo de riqueza e poder

Aumenta com sua aquisição.

A imersão em Brahman traz a paz verdadeira.

Absorto em Brahman, Jajali não percebeu

Que um ninho de Chatakas surgiu sobre sua cabeça, entre suas madeixas.

Comia Suryaparni e Suvarchala, ervas amargas, como penitência.

 

Não diga “eu sou feliz” nem tampouco “sou um miserável”

Pois tudo é transitório. Só Brahman é imóvel, fundamento de si próprio

E nosso arrimo e agasalho.

Sem ele o imenso rio Saraswati seca e deixa um leito tórrido e abrasado.

E a grande cidade de Dvaraka afunda miseravelmente sob as ondas do oceano.

 

Pingala descobriu, felizmente, um dia, após muito sofrer,

Como Teresa de Ávila,

Que os amantes, com paixão fugaz e frieza eterna

Eram cadáveres que não a satisfaziam.

Porque apenas o calor de Brahman aquece para sempre.

 

Como, ó pai, perguntou Medhavin, filho de grande inteligência,

Posso ter tranquilidade, se cada noite que passa, se aproxima a noite do fim?

Assim Medhavin, um Ser, formulou perguntas que séculos depois

Heidegger, o filósofo, outro Ser, novamente faria em vão.

A morte arrasta o Ser como uma tigresa arrasta um carneiro

Enquanto o Ser está a colher flores, ou enquanto ainda tem muitos desejos.

Ela arrasta o Ser enquanto suas ações e tarefas estão inacabadas.

Logo ao nascer o Ser já é perseguido por decrepitude e morte.

Apenas na Verdade, quer dizer, na Justiça, o real nome da Verdade,

O Ser adquire imortalidade e o esplendor perpétuo do lótus radiante.

 

A casa em Varanavat é construída com resina e cânhamo

Fornida por laca e manteiga clarificada derramada na madeira.

Mas como não é uma fortaleza da Justiça, nela habita a inveja e o rancor.

Logo aqueles lobos terríveis que residem dentro de ti, as emoções, te atacam

Logo a decrepitude debilita teu corpo, rouba tua força e tua beleza.

Procura, então, apenas aquilo que é perene, as ações justas, a compaixão.

Ganha aquela riqueza que os ladrões não roubam e que te acompanha na morte

Pelos caminhos do Vaitarani, ao encontro de Yama,

Que te tornará incólume à sua cólera e venturoso. Lá, onde irás sozinho

Sem um companheiro, tuas obras justas te acompanharão,

Serão avalistas de tua bem-aventurança, afortunado e justo que és!

 

Quem conhece Narayana não suporta recreações baratas.

Hidimbi, irmã de Hidimba, mãe de Gathotkacha

Por um ano gozou do corpo do forte e belo Bhimasena

E fez todas as artimanhas que uma mulher faz para reter seu homem.

Mas não foi completamente feliz.

Porque só há verdadeira felicidade junto de Krishna. Fora de Brahman

O mundo é vazio e tedioso. Como a paisagem do deserto.

Ou os sincelos intermináveis que afrontam o marujo cansado em alto-mar.

 

 

 

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