As grandes cidades como São Paulo apresentam peculiaridades.
Quem circula por elas por muitos anos sabe do que estou falando.
Seus lares escondem solidões impensáveis.
Pessoas que juntam quinquilharias em casa, por exemplo, ou colecionam,
Como eles dizem. Taças de cristal, corujas, sapinhos, canecas,
Obras de arte vulgar. Pode-se fazer um longo inventário.
Nesse apartamento mora uma senhora solteira de setenta anos.
Há muito tempo armazena pequenos bibelôs de louça em cristaleiras.
Nas raras visitas que recebe os mostra com orgulho.
Um comprou em Lisboa, outros em Ouro Preto ou Buenos Aires,
Nem se recorda mais. Seu rosto empoado treme um pouquinho
Ao contar as histórias de suas viagens. Seu interlocutor, por estar muito próximo,
Percebe em sua cútis o excesso de base e de pó de arroz.
Noutro apartamento, em outro bairro, mora um velho senhor.
Seus móveis embolorados e quase em ruínas
Guardam relíquias do futebol. Tem filhos que o visitam às vezes.
Uma diarista vem uma vez por semana.
Ele não para de falar das glórias do Corínthians,
De como viu pessoalmente os campeões e mostra as réplicas dos troféus.
Há um despiste da solidão muito comum em grandes cidades.
Em São Paulo muitos cidadãos têm grande prazer em te indicar
Onde se pode tomar o melhor café da cidade,
Ou comer a melhor polenta do mundo. Uma sopa de ninhos de pássaros,
Ou qualquer coisa exótica. Às vezes assumem um perfil ainda mais chique
E passam a indicar onde se toma um vinho
Produzido neste ou naquele vale de lugares remotos do mundo.
Falam longamente sobre esses vinhos, suas qualidades, seus sabores.
As pessoas têm vergonha de sua terrível solidão.
Ela mostra que houve um fracasso, que em algum momento algo desandou,
O sol fugiu, a vida escureceu. Então vestem seus disfarces de chiques,
De peritos, para envolver de mistérios um final infeliz
E uma vida infeliz numa cidade enorme e desumana.
Tentam trazer um resto de magia e pompa à fatuidade de um solitário fim.