O deus branco e o deus negro

Nas cidades coloniais ainda se podem ver as igrejas do Carmo e do Rosário.

Nas igrejas do Carmo só entravam os ricos, que levantavam o chicote,

Os brancos, que empunhavam a chibata. Lá eram enterrados com toda pompa

Entre sedas, veludos e cetins de aposentos celestiais comprados em vida.

Apesar do luxo e do orgulho, seus corpos decompostos

Fediam sob os pisos de madeira das igrejas.

Às vezes tinham de ser retirados, como no Carmo do Serro,

Tal o negror fétido que subia da terra

Vindo daquela carne branca podre

Misturado com o orgulho vão e a crueldade em nome de Deus.

Nas igrejas do Rosário entravam os negros e os mulatos, os chicoteados,

Sob cantos pungentes, de dor e de humilhação. Por que,

Senhora do Carmo e do Rosário,

Permitias tantas ofensas a teus criados e filhos

Tantos pelourinhos, troncos, torturas, chumbo no cu, castigos,

Crianças negras enfiadas nas minas escuras e sufocadas de Ouro Preto

Sem luz, sem ar, sem misericórdia?

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